A raiva tem, contudo, uma poderosa reserva de energia que, sendo bem utilizada, poderá libertar o potencial de quem a sente. Além disso, a pessoa poderá encontrar a ordem, a estabilidade e a relação de confiança com o mundo.
Trago aqui uma adaptação do texto escrito por Linda Schierse Leonard, em seu livro “A Mulher Ferida”.
Como freqüentemente a raiva é sentida muito intensamente, muitas vezes prefere-se evitar o confronto com tal força, mascarando-a de diversas maneiras, como, por exemplo, através dos vícios. Com álcool, essa emoção pode explodir quando a pessoa se embriaga, mas sem a consciência e a aceitação responsável dessa vivencia. O excesso alimentar pode ser outro caminho para “agir arbitrariamente”. A raiva em geral está oculta no corpo. Dores de cabeça, nas costas, úlceras, colite, problemas estomacais normalmente desaparecem quando se resolve aceitá-la. A depressão, estado em que toda a energia parece sumir, é outra armadilha. Ataques de ansiedade podem encobrir a raiva. Ela pode ser disfarçada através da sedução e/ou rejeição sexual. Ela pode provocar a raiva alheia, fazendo com que o outro a manifeste em lugar da pessoa que a sente. Quantas brigas não são provocadas dessa forma?
A atitude cínica e amarga, tanto de mulheres como de homens, que “abusam” uns dos outros sem reservas, é uma forma de devolver ao outro a dependência que insistem em alimentar em si mesmos. Em geral, essa vingança assume a forma de um consumismo compulsivo que lhes absorve tempo e energia.
Sentimentos obsessivos de culpa também encobrem a raiva, pois é como espancar-se o tempo todo. Outro meio habitual de encobri-la vem através de uma atitude intelectual de “sabe-tudo” que intimida os outros ou de um ataque crítico que não vai realmente ao alvo,mas,atinge as pessoas de forma a deixá-las totalmente desarmadas.
O martírio, o ascetismo, uma ética profissional puritana, o orgulho diante do próprio senso de dever e responsabilidade podem ser maneiras de ocultar a própria raiva, assim como a postura hipócrita que permite dizer ao outro “Sou quem sou”, enquanto teme, por baixo, o tempo todo, o risco de expor a própria vulnerabilidade.
As pessoas que temem a ira incendiária da auto-afirmação podem chegar a extremos para adaptar-se, ocultando a própria raiva por trás de uma mascara social agradável. Por darem sua energia aos outros, esvaziam-se e perdem a noção de seu próprio eixo, sentindo-se fracas e impotentes. A ansiedade decorrente dessa tendência a agradar e a se desdobrar exageradamente, oculta uma raiva que nunca se aprendeu a enfrentar!
À medida que pudermos aprender a nos relacionar com a própria raiva, nossos relacionamentos e nossas vidas serão mais plenos tanto física, como emocionalmente.
Como resultado dessa aprendizagem vê-se pessoas com poder de se afirmar, de estipular seus próprios limites e de dizer “não”, quando necessário. Ao aprender a lidar com ela, podemos admitir nossa vulnerabilidade e fraquezas, assim como nos apropriar do poder e da força pessoal.
De que modo é possível ligar-se a essa raiva poderosa, em lugar de ser ameaçados ou aterrorizados por ela? Como é possível transformar essa emoção em energia criativa?
Há, pelo menos, dois estágios: o primeiro consiste em trazer a raiva à tona; o segundo, em transformar o poder da raiva em energia criativa. Muitas vezes, tem-se medo do fogo e da energia enfurecida que vive no nosso íntimo. A analogia com o modo como se enfrenta um incêndio na floresta serve como ilustração dessa situação. Aí se enfrenta “fogo com fogo”. Os incêndios florestais são combatidos ateando outro fogo em volta do incêndio perigoso para dete-lo. Da mesma maneira, permitir que a raiva se apresente num rompante emocionado pode, de fato, limitá-la, no próprio movimento de libertá-la. “Não vou mais suportar nada disso!” Enfrentar a ira suprimida com mais ira é o que sugere a versão dos Irmãos Grimm para o conto de fadas chamado “O rei sapo”.
Nesta versão, uma princesa, cuja bola de ouro tinha rolado para dentro de um poço, pede ao sapo que a ajude a recuperá-la. O sapo concorda desde que, em troca, a princesa o alimente, cuide dele e deixe que se deite com ela na cama. Assim que ela tem a bola de volta, esquece-se de sua promessa. Porem, enquanto janta com seu pai, ouve-se um nítido coaxar do lado de fora da porta. O pai pergunta quem é e, depois de saber a historia do sapo, ordena à filha que cumpra a promessa. A princesa sente nojo do sapo, mas o leva para seu quarto e o alimenta. Po-lo consigo em sua cama é por demais repugnante; assim, ela o deixa no chão. Quando o sapo cobra mais esse ato, o cumprimento total da palavra dada, ela se enfurece e o atira com toda a raiva contra a parede; no mesmo instante, ele se transforma em príncipe, que era na verdade sua natureza, antes de ter sido vitima de um feitiço.
A raiva da princesa é a resposta apropriada. Ao assumir a responsabilidade por ela, presta atenção a seus sentimentos e a seus instintos e confia neles. Num ato de ira, redime o sapo e o transforma em príncipe.
Através desse conto, vemos como a raiva pode ser o início da conscientização.
A transformação da raiva resulta numa pessoa forte que, com sua energia criativa e sabedoria, pode contribuir para o próprio crescimento, o de outras pessoas e, até mesmo, o da cultura.
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