sábado, 3 de março de 2012

CAMINHOS ATRAVÉS DOS COMPLEXOS MATERNO E PATERNO


Texto adaptado do livro de Verena Kast "Pais e filhas  Mães e filhos"


O conceito de complexo é um dos conceitos centrais da psicologia de Jung. Está em relação direta com o desenvolvimento de uma pessoa – algo que o senso comum sugere.

Complexos são constelações especificas de lembranças, de experiências e fantasias condensadas, ordenadas em torno de um tema básico semelhante e carregadas com uma forte emoção da mesma qualidade. Quando alguma vivencia atual toca nesse tema ou nos afetos correspondentes, reagimos de maneira complexada, isto é, enxergamos e interpretamos a situação no sentido do complexo. Tornamo-nos emocionais e nos defendemos de modo estereotipado, ou seja, da mesma maneira como já fizemos antes.

Segundo Jung, os complexos têm um núcleo arquetípico, ou seja, eles se formam no ponto em que aborda algo indispensável à vida. São núcleos afetivos da personalidade do indivíduo, provocados por um embate doloroso ou significativo para ele, com uma demanda ou um acontecimento no meio ambiente, para o qual ele não está preparado.

Essa definição sugere que os complexos surgem da interação do bebe, da criança, com as pessoas de seu relacionamento. E a primeira infância é naturalmente uma situação marcante especialmente sensível para o surgimento dos complexos; contudo, eles podem surgir a qualquer momento enquanto vivemos.

Nos complexos, estão retratadas as interações problemáticas e marcantes, como também, as histórias de relacionamento de nossa infância e de nossa vida posterior, juntamente, com as emoções correspondentes, com as formas de defesa dessas emoções e as expectativas daí provenientes como, por exemplo, o estilo de vida que se quer ter.

Assim quando, uma relação é difícil ou portadora de significado entre duas pessoas, em que emoções entram em jogo, um complexo é instalado. Todo evento semelhante é, então, interpretado de acordo com esse complexo, além de reforçá-lo. Nos complexos são reproduzidos episódios de nossa vida que se distinguem por uma emocionalidade especial.

Os pais, mães ou irmãos não são retratados nos complexos exatamente como eles eram; os complexos parecem ser, antes, uma complicada fusão de algo factualmente experienciado e algo fantasiado, de expectativas frustradas, etc. Contudo devemos constatar que, por meio de uma dissolução parcial dos complexos, mais recordações se libertam, tornando possível maior acesso a historias particulares da vida. Com isso o sentimento de vida se enriquece, ocupa-se melhor o complexo do eu, e se experimenta a auto-identidade também na continuidade. A história real é algo muito misterioso e impossível de ser realmente reconstruída.

Os complexos não nos marcam apenas, eles também são constelados, eles “entram em ação”. Por meio de uma experiência de relacionamento que lembra uma situação-complexo, por intermédio de um sonho ou de uma fantasia, o complexo se constela. Ou seja, nestes casos nós reagimos emocionalmente à situações atuais de modo impróprio, temos uma super reação. Reagimos não só à situação atual, mas sim a todas as situações de nossa vida que se assemelham de maneira tão fatal a essa situação. Também, pode-se dizer que em tais ocasiões sofremos de um distúrbio perceptivo porque percebemos de acordo com o complexo e ofuscamos o que não pertence ao episódio-complexo. Como conseqüência, temos uma estratégia estereotipada que, supostamente nos ajuda a lidar com a situação.

Os complexos são vistos como algo que inibe a pessoa e faz o individuo, nas situações que exigiriam dele uma resposta diferenciada, responder e reagir sempre da mesma maneira estereotipada; todavia, eles também contem germes de novas possibilidades de vida.

Do complexo do eu, Jung dizia que ele forma o “centro característico” de nossa psique, mas que é, apesar disso, apenas um complexo. “Os outros complexos associam-se mais ou menos ao complexo do eu e, desta maneira, tornam-se conscientes”. A tonalidade de sentimento do complexo do eu, o sentimento de si mesmo, Jung entende como expressão de todas as sensações corporais, mas também, como expressão de todos aqueles conteúdos de representação que atribuímos a nossa pessoa. As associações ligadas ao complexo do eu giram em torno do tema vital da identidade, do desenvolvimento da identidade e do sentimento de si mesmo, da autoconsciência que se vincula a isso. A base da nossa identidade é formada pelo sentimento de estar vivo; neste sentimento se enraíza a possibilidade de se impor como eu na vida, de fazer algo, enfim, de autorrealizar-se. No decorrer do desenvolvimento, a autodeterminação pertence cada vez mais à atividade do eu, em contraposição à determinação externa. O desligamento dos complexos não é apenas dependente dos complexos e dos pais concretos, mas, de modo inteiramente decisivo, da atividade e vitalidade do eu.



O complexo do eu de uma pessoa deve desligar-se, de modo apropriado à idade, dos complexos materno e paterno, para que ela possa perceber suas tarefas de desenvolvimento e ter a sua disposição um complexo do eu coerente – um eu suficientemente forte – que lhe permita perceber as exigências da vida, lidar com dificuldades e conseguir certo grau de prazer e satisfação.

Na constelação de cada complexo materno ou paterno podem-se constituir diversos modos de comportamento que ajudaram o filho a estabelecer com a mãe ou com os pais, ou na família como um todo, uma atmosfera suficientemente boa para preservá-la para si. Estes modos de comportamento conservam-se na vida futura. Caso nos tornemos conscientes deles, poderemos decidir se queremos ou não mante-los.

O desligamento do complexo é possível através da identificação e conscientização dos complexos e suas marcas. Esse desligamento é necessário para nos tornarmos pessoas mais independentes e mais capazes de estabelecer vínculos.

Há complexos com marcas positivas e negativas. Os complexos originalmente positivos são aqueles que tiveram uma influencia positiva sobre o sentimento de vida e, assim, sobre o desenvolvimento da identidade da pessoa e continuam a influenciar positivamente, caso ocorra um desligamento na idade apropriada.

O complexo materno originalmente positivo proporciona a uma criança o sentimento de um incontestável direito à existência, o sentimento de ser interessante e de ter parte em um mundo que oferece tudo de que alguém necessita – e um pouco mais. A partir disso, esse eu pode entrar em contato, de modo confiante, com um “outro”.

O corpo é a base do complexo do eu. Sobre a base de um complexo materno positivo, as necessidades corporais são vivenciadas como algo “normal” e também podem ser normalmente satisfeitas. Há uma alegria natural com o corpo, com a vitalidade, a comida, a sexualidade. O corpo pode expressar emoções e é capaz de aceitar e receber essas manifestações provenientes também de outras pessoas.

Esse complexo do eu assim consolidado pode romper seus limites na experiência corporal com outra pessoa, sem medo de nisso se perder. Também, é possível compartilhar intimidade psíquica, além da corporal. Desse modo, os outros são compreendidos de forma fundamental, assim como, geralmente se é compreendido. Os outros contribuem para nosso próprio bem estar psíquico, como podemos contribuir para o bem estar dos outros.

Uma pessoa que pode contar com o interesse e a compreensão do outro e experimenta certa plenitude de amor, cuidado e segurança desenvolverá uma saudável atividade do eu.

A idealização das figuras dos pais deve ser superada por volta dos vinte anos. Nessa fase, os complexos materno e paterno tornam-se na sua maioria conscientes. Cada marca de complexo permite determinados passos de desligamento e inibe outros. Vai depender da força de cada um, do impulso de autonomia que os jovens, a despeito das marcas dos complexos, possam apresentar.

O desligamento é um compromisso entre aquilo que uma pessoa deseja para si e para a própria vida e o que o meio ambiente (pai, mãe, professores, grupo social, etc) deseja para ela. Fases nítidas de desligamento, como a adolescência, estão relacionadas a uma disposição de ruptura, são fases de profunda mudança. O complexo do eu está se reestruturando, ou seja, há um sentimento instável de autoestima.

De modo geral, pode-se dizer que, na fase de desligamento, as pessoas que não são propriamente pai ou mãe, mas nas quais é possível projetar algo de paternal ou maternal, desempenham um papel significativo, assim como as imagens de divindades paternas e maternas e seus respectivos programas de vida.



A adolescência do garoto

Peter Blos apresenta uma tese interessante sobre adolescência masculina em sua dissertação: “Freud e o complexo paterno”. Ele parte da seguinte pergunta: por que há tanta rivalidade, concorrência e insurreição entre o adolescente e seu pai?

Sua tese: o pai possibilita ao filho, na primeira infância, opor-se à total dependência materna. Ele promove, por toda a vida, os esforços direcionados para frente, o desenvolvimento psíquico e corporal. O pai dá suporte contra a regressão. Na puberdade do homem, o amor pela mãe é novamente estimulado e, com isso, o medo da primária dependência materna desperta novamente. Blos: o indivíduo, como quando era criança pequena, precisa do pai como suporte para as tendências progressivas na vida.

A primitiva relação infantil com o pai, também, é reativada na adolescência. Essa amável relação, todavia não deve ser alimentada, pois assim o filho permaneceria filho do pai e infiel ao seu principio de individuação. Por isso, acredita-se que seja melhor que se estabeleça uma acirrada revolta contra o pai. Segundo Blos, essa rivalidade será tanto mais intensa quanto mais ambos os homens tiverem se amado no passado e continuarem se amando ainda. Nesse contexto, Blos apresenta uma segunda tese: a sexualidade premente do adolescente se presta, antes, muito mais a um desligamento do pai do que a um relacionamento de fato com a mulher; a sexualidade seria compreendida como o esforço impulsionador para longe do pai. Ele diz que quando se resolve com êxito o conflito paterno, acabando assim com a idealização do pai, o filho pode ser estimado por ele, pode seguir o próprio caminho. Também deve ocorrer um desligamento da mãe, caso contrário o complexo materno iria se transferir com todas as suas expectativas implícitas para as namoradas e companheira.

Blos exemplifica sua tese na pessoa de Freud, o que é especialmente interessante. Ele julga algo comprovado que Freud tenha tido uma relação bastante próxima com seu pai Jakob, uma intensa ligação sentimental que se adentrou pela vida adulta. Em cartas, Freud escreve que foi o favorito declarado do temido homem. Ele descreve seu pai como um homem “de profunda sabedoria e de uma mente fantasticamente leve”. Fisicamente, ele compara seu pai com Garibaldi, uma figura histórica. De si mesmo, ele disse que estava preparado a fazer tudo para permanecer como o favorito declarado desse pai. O complexo paterno de Freud, originalmente positivo, manifesta-se na vida posterior em suas amizades quase exclusivas e apaixonadas com homens, as quais convertia – como no caso de Jung – facilmente em relações pai-filho. Jung, vinte anos mais jovem, logo se sentiu demasiadamente exigido pelo “pai Freud”. Blos percebe uma transferência neste contexto; Freud também se sentia sempre exigido demais pelo pai idealizado por ele, a quem queria proporcionar honra e fama. Ele passou por uma crise em sua vida, quando, com 40 anos, perdeu o pai, em 1896. Um pouco antes dessa morte, Freud comportou-se de modo estranho: o pai estava moribundo e, apesar disso, o filho partiu para uma viagem de férias de dois meses. Freud chegou muito tarde para o sepultamento porque tinha se demorado no barbeiro. Esta conduta surpreendeu o próprio Freud e o levou a fazer auto-análise. O primeiro livro, proveniente dessa auto-análise, é a interpretação dos sonhos. O desligamento do pai era então absolutamente necessário que Freud entrou em uma crise de identidade, a qual usou criativamente. Assim, nascia a psicanálise. Freud escreve no prefácio: “A interpretação dos sonhos é uma reação ao acontecimento mais significativo, à perda mais drástica na vida de um homem”. Tal afirmação só pode ser feita por alguém que manteve uma relação emocional absolutamente idealizada com o pai. Dois anos, após a morte do pai, Freud descobriu o complexo de Édipo e na interpretação desse complexo, segundo Blos, ele não deu a devida importância ao papel do pai. Na lenda de Édipo, como todos sabem, o oráculo diz que o filho a ser gerado por Jocasta matará o pai, Laio. Em conseqüência disso, Laio pega o recém-nascido, fura-lhe os pés, para que ele não possa correr e o abandona em uma montanha. Ele, portanto, tentou matar seu filho. Em muitas interpretações, incluindo a de Freud, omite-se que o pai entregou o filho ao destino mortal.

No ponto em que começa nossa região do complexo, seremos sempre determinados por ele e não pela objetividade.

Depois da morte do pai, Freud aboliu a idealização do pai e, com isso, também uma implícita depreciação de si mesmo, do filho. A partir disso instauram-se um desenvolvimento considerável e uma imensa produtividade criadora.

A teoria de Blos segundo a qual a sexualidade premente no adolescente serviria, sobretudo, como desligamento do pai, pode explicar por que a sexualidade do indivíduo, sem dúvida importantíssima, adquire uma posição tão central na teoria freudiana que, certamente surgiu do conflito com um complexo paterno dominante.





A adolescência da garota

Os complexos paterno e materno também são vivificados novamente na adolescência da garota. Em primeiro plano encontra-se o complexo paterno entremeado com formas do “animus”. Qualidades de vida que foram experienciadas em conexão com o pai são transferidas para um namorado e/ou uma vida intelectual. Qualidades de vida que foram perdidas são procuradas em outros homens e/ou no mundo do espírito.

Com as garotas configuram-se dois tipos distintos de socialização: algumas têm um namorado e vivem a relação de casal freqüentemente muito cedo, e outras se dedicam nitidamente ao aspecto intelectual. Conforme a marca produzida pelo complexo materno, elas podem viver muito distanciadas do corpo: com uma marca mais positiva produzida pelo complexo materno – ainda que esta permaneça inconsciente -, o corpo simplesmente faz parte da vida, sem grandes conflitos.

Ocasionalmente, encontramos ambas as formas de socialização lado a lado. A ligação ao complexo paterno e, com isso também, a subliminar idealização do aspecto paterno são mantidas em ambas as formas de socialização.

O problema para as mulheres, na sociedade tradicional, consiste em não se exigir delas o desligamento do complexo paterno. A mulher cumpre o papel social quando tem um namorado ou parceiro; se ela desenvolve nisso uma auto-identidade, parece ser secundário nesse tipo de sociedade.

Isto significa exageradamente que, do ponto de vista da compreensão dos papéis, nossa sociedade dá a entender a uma adolescente que ela é “normal”, uma mulher correta – mesmo não tendo nenhuma identidade própria – quando, em última análise, depende de um homem para lhe prescrever uma identidade. Ou seja, quando depende da presença de um homem para ter a sensação de ser ela mesma e de que, na relação com ele, o homem também possa lhe prescrever levemente o que ela deve ser, como ela tem de se sentir e se comportar. Caso se atreva a viver de maneira correspondente a sua própria imaginação, então ela deixa de ser bem vista pelos homens. Se a opinião destes lhe é importante e decisiva, ela cai numa crise de identidade por causa da critica proveniente deles e, então, readapta-se! Assim, essa mulher que caminhava em direção à autenticidade, deixa de aproveitar o que a crise de identidade lhe ofereceria, ou seja, a chance de encontrar o seu eu verdadeiro, o próprio Self.

Com a adaptação, a garota perde aspectos importantes de seu si-mesmo original. Isto mudaria se as garotas fossem elogiadas mais pela originalidade e menos pela adaptação e se não se considerassem as mulheres apenas em relação com o homem. Eis uma forma da atual socialização feminina: não desligada do complexo paterno, mas com um trabalho no mundo do pai que é realizado com grande sucesso e pelo qual a mulher é recompensada. Que sua identidade feminina para além da identidade com papéis é quebradiça ressalta-se quando a compensação do desempenho, do trabalho não é mais possível ou quando entra em cena uma situação de separação. Então é necessário que ocorra o lidar com a mãe e com o complexo materno específico.

Mulheres que não desenvolveram sua identidade original, que não se desligaram do complexo paterno e não lidaram com o complexo materno ou não desenvolveram sua identidade por outras razões, reagem geralmente com depressões a separações. Em situações de separação, devemos nos reorganizar partindo do si-mesmo das relações e voltando-nos para o si-mesmo original. Entretanto, para tal, deve haver um si-mesmo próprio em germe.



LIDANDO COM A MÃE

Para encontrar sua própria identidade, a adolescente deve lidar com a mãe e com o complexo materno. Se ela não fizer isso, depositará na relação com um parceiro – para além da projeção das experiências paternas e das expectativas não cumpridas em relação ao pai - os problemas maternos pendentes e as expectativas que ela tinha sobre a mãe.

O desligamento da mãe acontece em um campo complicado. Absolutamente não se exige o desligamento. O objetivo do desligamento para uma mulher não é não manter mais relação alguma com sua mãe; o objetivo não é uma autonomia que se compreende como falta de vínculo. O desligamento da adolescente de sua mãe deveria ocorrer de tal forma que lhe fosse possível uma nova relação, na qual, de certo modo tivesse sido trabalhado o elemento complexado da relação infantil. Por isso um desligamento é realmente necessário, porém não com o objetivo da separação definitiva, mas sim com o intuito de se poder ingressar em uma forma de relação reciprocamente mais apurada.

Hoje existem mães que vivem papéis muito diferentes. Filhas de mães que se dedicam a um trabalho que lhes satisfaz têm mais autoconsciência como mulher e estão muito menos dispostas a se colocar em posições dependentes de homens, mesmo quando elas têm um complexo paterno positivo. Elas também superam com mais facilidade o processo de lidar com a mãe, pois não precisam primeiramente tirar a mãe da desvalorização.

O desligamento da adolescente acontece no lidar com a própria mãe. Ela é o modelo contra o qual primeiramente se concebe a auto identidade. As garotas encontram a sombra, a vida não vivida de suas mães e começam a idealizar o que não foi levado a efeito na vida dela. “Quero fazer tudo diferente da minha mãe” – essa frase pode significar que a mulher que assim se expressa tem um complexo materno originalmente negativo; mas também, é uma frase padrão no desligamento. No início ela é simplesmente contra, não tem uma posição própria – isto pode ser o começo do encontro da identidade.

Nesse posicionamento contra a mãe não significa que as filhas odeiem as mães. As filhas, nesse desligamento, criticam suas mães e assim deve ser. Censuram as mães, por exemplo, por não serem consistentes em seus projetos de vida, por terem insistido em ser supridas com marido e filhos e, então, subitamente dizerem que perderam a vida. Criticam as “mentiras de vida” das mães, que geralmente estão relacionadas com o fato delas, também terem se desligado muito pouco dos complexos paterno e materno. Elas também são criticadas por delegarem às suas filhas muitas coisas que elas mesmas não viveram; essas delegações são freqüentemente ambíguas: ”Trate de ter uma profissão que você tenha êxito, mas também me de os netos a tempo”.

As delegações são privações da liberdade e, além disso, atrapalham sensivelmente a relação entre mãe e filha. Naturalmente, também, há delegações entre pais e filhos, entre pais e filhas, entre mães e filhos. No entanto, elas parecem ser especialmente freqüentes entre mães e filhas.

A insegurança das mulheres quanto aos papéis, também aparece nessas delegações contraditórias. Por exemplo, algumas mães dizem às suas filhas: “Preste atenção, as mulheres geralmente não são ouvidas, mas nem por isso seja abelhuda.” O que deve fazer a filha com uma mensagem dupla como essa? Menos criticada, mas dolorosamente assinalada, é a incerteza de mulheres no trabalho fora de casa. As mulheres freqüentemente realizam um trabalho muito bom, contudo muitas vezes, ignoram o valor desse trabalho. Elas têm a tendência de tentar aperfeiçoar algo uma vez mais ou não respondem pelo valor de seu trabalho.

Não só os modelos desempenham um grande papel nesta fase de desligamento, que é no fundo uma fase de autodescoberta, mas também, as relações com outras mulheres caso a marca produzida pelo complexo materno permita isso. Se uma mulher é marcada por um complexo materno muito negativo – o que significa que para ela as mulheres e, especialmente as mulheres maternais, são apenas uma fonte das maiores decepções -, então este caminho geralmente não está aberto.

A relação com outras mulheres possibilita o processo do tornar-se consciente de si mesma como mulher: as mulheres, então, não se vêem apenas com os próprios olhos, mas também, por meio dos olhos de outra mulher. Elas se refletem mutuamente, percebem-se, aceitam-se. A partir dessa vivencia cristaliza-se um novo projeto de vida que agora permite também uma reconciliação com a mãe. Nessa reconciliação a mulher também irá constatar em quais peculiaridades ela se assemelha à mãe e perceberá que talvez tenha as mesmas características desagradáveis com as quais pode, no melhor dos casos, aprender a lidar de outro modo. Mas também irá constatar que, apesar das semelhanças, ela é um ser humano completamente diferente.

Essa reconciliação poderia se expressar em conversas, nas quais fique claro para a filha por que sua mãe escolheu tal projeto de vida e a mãe perceba mais ou menos qual é o projeto de vida da filha. Talvez a filha também tenha de aceitar com o coração sangrando que ela tem um projeto de vida que a mãe encara ceticamente ou que absolutamente não pode aceitar, tendo em vista sua história. A crise de reconciliação salienta-se a partir da decepção de que a antiga relação entre a filha infantil e a mãe nunca será restabelecida, na qual elas talvez fossem um coração e uma alma. Mas ela também pode originar-se da frustração da esperança de que elas ainda poderiam afinal construir uma estreita relação mãe- filha, o que até então nunca acontecera e como, evidentemente, deve ser na fantasia da mulher. Na melhor das hipóteses, é possível uma boa e confiável relação entre mãe e filha, uma relação entre duas mulheres que se conhecem bem, protegem-se e admitem ter diferentes imagens de mulher.





Complexos que foram inicialmente experimentados inteiramente como promotores de vida podem mostrar-se em seguida como inibidores, quando não se efetua um desligamento adequado à idade.



FRASES PARA IDENTIFICAÇÃO DO COMPLEXO MATERNO OU PATERNO :

POSITIVO OU NEGATIVO



“Viver e deixar viver”- o elemento típico nos complexos materno originalmente positivos

Esses complexos não surgem somente em consonância com a mãe, mas também, com as diversas pessoas com quem se estabelece relações. Assim,além do espaço materno, considera-se importante na formação dos complexos a atmosfera na qual se cresce, incluindo aí, o pai, os irmãos, os avós ou simplesmente as pessoas com as quais o individuo convive. Mesmo que a mãe tenha sido a principal pessoa de relacionamento, as mães são completamente diversas, cada uma com sua própria constelação de complexo.

Há a mãe que, marcada por um complexo originalmente positivo, coloca no centro de suas atividades a alimentação, o ambiente aconchegante e o estabelecimento da segurança. Outras estabelecem segurança pelo contar historias, enquanto que outras têm na criatividade o centro de seus vínculos. Essas mães conseguem produzir o sentimento-do-nós, o sentimento de proteção. Elas passam para a criança que ela é interessante e significativa; que a vida é rica e que a plenitude e a alegria de viver são possíveis.

À medida que essas mães forem capazes de lidar com a separação, com o abandono, elas terão a possibilidade de oferecer, nas relações com seus filhos, impulsos de expulsão apropriados à idade. Dessa forma, seus filhos posteriormente não terão dificuldades de se desligarem do complexo materno positivo. Pessoas com complexos maternos originalmente positivos estão sob a divisa: “Viver e deixar viver”; se possível, até mesmo ” desfrutar e deixar desfrutar”. A vida está em ordem, elas também estão ou, mais ainda, elas são em princípio um enriquecimento da vida. Elas se abrem para o mundo seguras de si, esperam o bem e, freqüentemente, também colhem o bem. Desenvolvem uma confiança básica na vida que, absolutamente, pode ser muito segura também. “De qualquer maneira, sempre se dá um jeito” é uma frase nuclear de pessoas com essa marca de complexo.

Essa confiança pode transformar-se, também, em indolência, uma posição da patente exigibilidade para com os outros. Elas tendem a querer possuir “tudo”, desfrutar “tudo”.

Mais próximas do inconsciente e em uma confiável relação com ele, elas são, geralmente, pessoas fantasiosas, criativas, com grandes possibilidades inventivas que, no entanto, nem sempre são realizadas. Também podem ser, simplesmente, visionárias. Neste caso, essas pessoas permanecem uma eterna promessa. Para concretizar idéias, é preciso perseverança, uma forma de agressividade, uma capacidade de se sacrificar e tolerar frustrações.

Os indivíduos com essa marca de complexo são amáveis, generosos, também compreensivos quando lhes convém; amam a harmonia e um sentimento de vida oceânico, em que se sente a ligação do todo e se supera a diferença entre os seres humanos, em que a plenitude da vida pode ser compartilhada no estar junto, surgindo com isso, um sentimento-do-nós convincente. As idéias do compartilhar são muito importantes. E esse sentimento surge quando eles conseguem realizar “tudo” ou, pelo menos, o que eles consideram como “tudo”.

Um problema fundamental para as pessoas marcadas pelo complexo materno positivo é o problema da separação, em geral há a necessidade de aceitar que existe a morte, que há separação e recomeço; rompimentos e novas tentativas.

Outro problema em conexão com a temática da separação é o da decisão em favor de algo – e, portanto, também contra algo. Esperam com isso viver um sentimento de vida oceânico e, quando isso não acontece, ficam facilmente magoadas; tornam-se, então, difíceis, rabugentas, deprimidas com a auto-agressão ligada a isso. Isto é, tornam-se autodestrutivas ao tomarem para si qualquer coisa que prometa devolver-lhes o sentimento de vida oceânico.

Surgem assim, para homens e mulheres, diversos problemas de identidade: os homens ou parecem muito brandos e emocionais, muito maternais ou sempre tem em si, ainda na idade avançada, algo de menino; e as mulheres, identificadas com o papel da mãe, podem ser discretas, caso não se considere uma identificação unilateral como algo notável, ou podem, no entanto, conservar em si de modo muito nítido o que é próprio de uma garota e comportarem-se como filhas.







“O mundo tem que admirar alguém como eu” – O complexo materno originalmente positivo no homem

Uma coisa típica do complexo materno originalmente positivo de um homem é a expectativa de que a vida e o mundo existam como uma mãe doadora de tudo, que nutre, admira, sabe o que é bom.

A própria pessoa e a vida como tal formam uma unidade, por conseguinte, tudo é possível. Por essa razão, é também difícil ter de sacrificar alguma coisa, quando realmente acha que se pode ter tudo. A problemática, de acordo com isso, consiste, então, no fato de estarem essas pessoas a procura de um parceiro ou parceira que satisfaça todos os desejos. Há sempre a silenciosa preocupação de que a companhia atual poderia impedir alguém de encontrar a parceiro (a) melhor de todos(as). Isso causa intranqüilidade ou insegurança no âmbito da relação. Como, além disso, o desenvolvimento da força de decisão não é um tema significativo enquanto o complexo do eu se identifica com o complexo materno, essas pessoas não escolhem; são antes escolhidas. Há grandes chances dos relacionamentos dessas pessoas não durarem, porque, inconscientemente, desejam ser amadas e toleradas de forma incontestável, sem necessariamente ter de oferecer a mesma coisa ou algo parecido para o outro. O amor unilateral acaba se extinguindo, quando só um quer receber , assim como se recebe na posição de filho.

Cabe a uma mãe não só deixar o filho crescer no útero, mas também, expulsá-lo quando chega a hora para isso. Essa expulsão no tempo certo é também um movimento primitivamente feminino no sentido da vida. Uma boa mãe daria o sentimento vital do estar contido, do ser nutrido, estar seguro, mas também, o de ser expelido no tempo certo.

O tema da expulsão para dentro da própria vida, da responsabilidade própria, falta nesse complexo materno originalmente positivo. Por esta razão ele se converte, na idade posterior, em um complexo materno negativo. Ser expulso do “paraíso materno”, certamente dói; mas é nessa expulsão que o indivíduo encontra a possibilidade de viver a própria vida.



“Pode-se agüentar quase tudo na vida quando se comeu bem” – o complexo materno originalmente positivo em mulheres.

A mulher, no complexo materno originalmente positivo, manteria a base de sua identidade, seria, por conseguinte, essencialmente menos prejudicada em sua experiência de identidade. Todavia, permaneceria dependente da mãe; imatura, portanto.



UMA ETERNA PROMESSA – complexo materno positivo e estrutura depressiva



Essa marca de complexo, caso não ocorra o desenvolvimento de modo apropriado à idade para além dela, é a base para uma estrutura depressiva. O complexo do eu encontra-se então pouco desenvolvido que a atividade do eu e a diferença entre ele e as outras pessoas ficam, em segundo plano. Há grande necessidade de aceitação e amor. Caso o indivíduo não os receba ou não os receba na medida em que imagina, então, ele tenta mudar. Tenta cumprir as exigências do mundo, embora, de fato, já esteja furioso porque o mundo não cumpre suas exigências pessoais, tão legitimas! Não podendo mostrar sua fúria, porque a fúria separa, ele se volta contra si mesmo. Surge um latente sentimento de culpa: “Mas de qualquer modo deve haver uma razão pela qual o sentimento de vida não é mais tão maravilhoso como foi um dia”. Sentimentos de culpa atuais, embora reprimidos, surgem porque o indivíduo é uma “eterna promessa” e não cumpriu as altas expectativas que nele foram depositadas pelos outros ou por si mesmo.

Aqui, também, são observadas tendências para doenças de medo, sempre pressupondo que o complexo do eu consiga se libertar pouco desse complexo materno. No tema do desenvolvimento, o medo é relevante, porque é a passagem da simbiose para a individuação, da dependência para a autonomia, da obediência para a responsabilidade própria, do inconsciente para o mais consciente, da fusão para o distinguir-se.

Vejamos uma consideração de Jung para o medo: “A porção jovem da personalidade que é impedida e reprimida na vida gera medo e transforma-se em medo”. O passo da simbiose para a individuação, da experiência de unidade com a mãe para uma alegre experiência de si mesmo como personalidade autônoma, própria, é uma separação. Nas primeiras separações por que passa uma criança se determina quão receosa ela é, quão competentemente ela conseguirá lidar com separações em sua vida futura e ser ela mesma. Assim como, todas as outras separações em sua vida futura também continuarão a determinar se aprendeu a lidar com o medo, se será capaz de controlar a vida, a despeito do medo.

Possivelmente, surpreenda a todos a constatação de que um complexo originalmente positivo possa ser a causa de uma estrutura depressiva e de diversas doenças de medo. Dele também resultam “fenômenos narcisistas” como mania de grandeza, suscetibilidade elevada, exigência de bastante atenção, juntamente com irrupção depressiva que a acompanha quando a atenção não é dada confiadamente.

Tanto a estrutura depressiva, como também, as doenças do medo indicam que se da pouquíssima atenção ao próprio ser; que a individualidade é experimentada de forma muito pouco responsável.

As pessoas vindas de um complexo materno originalmente positivo trazem consigo, é verdade, a lembrança de um direito incontestável à vida, mas também, a sensação de precisarem sacrificar muito da indistinção prazenteira para atingir a individuação.



“Pai Orgulhoso – Filho Maravilhoso” – O complexo paterno originalmente positivo do filho

A marca desse complexo é dada pelo sentimento do filho em relação ao pai - ele e o pai são um só!

A relação com o pai, geralmente é construída sobre uma admiração recíproca. A experiência fundamental desse complexo pode ser facilmente transferida para outros homens. Assim, fica-se claramente no papel do filho dependente da admiração dos pais. O trato com homens mais novos pode ser menos interessante do que com os mais velhos.

Em homens com complexo paterno originalmente positivo a relação com mulheres costuma converter-se em problema quando as mulheres abandonam seu lugar de “inventário” na vida deles e se rebelam.

Outra característica: a experiência de que é preciso fazer muito para obter amor e felicidade é típica de homens e mulheres dominados pelo complexo paterno. E, apesar de todo o esforço e de todo o reconhecimento, eles nunca participam de um sentimento de vida oceânico. Pois, este, via de regra, não pertence a essa experiência de complexo.

O QUE QUEREMOS, PODEMOS: pontos em comum entre os filhos com complexo paterno originalmente positivo.

Quer a marca ocorra mais por meio de um pai com complexo paterno, quer por meio de um pai com complexo materno, aos filhos de ambos é comum que o desligamento não se faça notar como algo importante. Aparentam ser seguros em sua identidade masculina – embora pouco flexíveis. Seu complexo do eu parece coerente, pois este se identifica claramente com o complexo paterno, o qual, por sua vez, define de modo amplo e coletivo o que é normal e desejável.

Tomam a identidade do pai, a qual, necessariamente não coincide com a identidade original dos filhos e não tem muitas vezes, permissão para serem eles mesmos. As frases de complexo para essas marcas, geralmente significam: ”Você é meu grande motivo de orgulho e terá sucesso se compartilhar meus valores e encaixá-los em sua vida”.

Esses filhos são capazes de adaptação e são propensos à adaptação ao mundo dos homens. São bem sucedidos, pragmáticos, hábeis, eficientes. Sua divisa: “O que queremos, podemos”. Isso significa também que eles abraçam inconscientemente uma ideologia do controle, por exemplo, eles têm muitas idéias de como podem controlar os perigos, de como podem minimizá-los por meio da introdução de leis. Talvez possam até convencer a si mesmos e aos outros de que o mundo se torna cada vez “mais seguro”, de que “tudo está sob controle, em nossas mãos”.

De seu próprio medo eles sabem pouco. Acontecem fraturas em seu sentimento vital, quando a divisa “O que queremos, podemos” não vigora mais, por exemplo, quando irrompem doenças ou ocorrem problemas de relacionamento que não podem ser solucionados de maneira simplesmente “racional” ou quando eles precisam ser preocupar com o problema do envelhecimento ou da morte. Então, tem de se voltar para o mundo desvalorizado do feminino, o que é mais fácil para o homem cujo pai possui um complexo materno, pois ele já está sempre um pouco inserido neste mundo. Essas crises de sentido, indisposições depressivas levam-no a procurar na vida algo sustentador, que dificilmente é encontrado por tais pessoas, geralmente, afastadas de seus sentimentos autênticos.

O medo que, naturalmente existe, mas não pode ser confessado, é repelido por meio do controle e de coerção. A criatividade sai perdendo.

Este tipo de homem pode perceber uma pressão constante por desempenho. Ele sabe que deve fazer algo para adquirir reconhecimento e ele sabe que sempre irá conquistá-lo. Sente que tem, é verdade, “uma vida muito boa”, mas ela satisfaz apenas de modo incompleto uma necessidade fundamental, se é que satisfaz – a da participação.

Um homem marcado por um pai com complexo materno vive mais feliz. Ele também corre o risco de viver toda uma vida com uma identidade derivada do pai e do complexo paterno. No entanto, está mais próximo dos valores do sentimento e pode se envolver melhor com seu lado feminino, se necessário. Ele se revela menos frágil, caso os reveses o tomem de assalto.



Filhas Atenciosas – O complexo paterno originalmente positivo nas mulheres

A atmosfera de complexo da filha será naturalmente afetada de modo diferente, conforme o próprio pai seja marcado mais pelo complexo paterno ou materno.

O vínculo pessoal com o pai que tem, ele mesmo, um complexo materno positivo, dura por mais tempo, porque esse vínculo possui uma coloração erótica.

O complexo paterno originalmente positivo pode se manifestar de maneira bastante diversa. Manifesta-se por meio da idealização dos homens, na relação com homens concretos e, mais ainda, na relação com aquilo que é definido como masculino em nossa cultura: as normas, os valores, os interesses intelectuais etc..

Marca do complexo: “OS HOMENS SÃO SIMPLESMENTE MAIS INTERESSANTES” - frases e sentimentos comuns a essa marca:

- “o que a gente não faz por causa dos homens”

- “com homens eu me torno automaticamente imbecil, acomodo-me, vou ficando cada vez mais sem vontade própria”.

-“sempre estou fascinada por homens mais velhos”.

-“com os homens é mais fácil descobrir o que eles gostam de ouvir e, também, pode-se flertar um pouco, o que torna tudo mais agradável, tudo desliza mais facilmente.”

-“eu simplesmente acho os homens mais interessantes, mais estimulantes, confiáveis...”

Na presença dos homens, fica claro que são eles a autoridade e não a mulher e, portanto, há sempre o que aprender com eles.

O bom sentimento de autoestima depende da admiração dos homens. E aí se encontra o grande problema para mulheres com essa marca de complexo: quando alguém nos garante a autoestima, fica-se à mercê dessa pessoa. Quando a perdemos, também perdemos a autoestima. Quanto mais acentuadamente uma pessoa se deixa conduzir por outra, maior a probabilidade dela ser conduzida para onde a pessoa condutora acha que é melhor e não necessariamente para onde tendem as suas necessidades de desenvolvimento. Assim, sempre há o risco dessas pessoas reagirem com temor, quando cessa esse “conduzir”, pois elas não aprendem a conduzir a si mesmas. Os problemas de medo que são vivenciados têm a ver com o fato delas não terem aprendido a assumir responsabilidades para si mesmas, nem tampouco a tirar as conseqüências de decisões erradas e conviver com isso. Enfim, o medo tem a ver com o fato de sua essência mais própria estar excluída da vida. Geralmente, são mulheres que lidam consigo mesmas de maneira pouco empática; falam pouco de si mesmas; ocupam-se pouco com seu próprio si-mesmo. Caso não tenham um complexo materno realmente sustentador como plano de fundo, estão convictas de que devem se esforçar por tudo neste mundo, que não recebem nada de graça, muito menos o amor.

O problema da idealização dos homens e do masculino – que é simultâneo à desvalorização quase que imperceptível de si mesma como mulher, das mulheres e do feminino – é um problema fundamental. Pais são idealizados, assim como os homens, namorados, teorias, conhecimentos. Afirmações convertem-se facilmente em teses irrefutáveis que às vezes recebem um tom quase sagrado.

Essas mulheres estão numa posição sensivelmente mais dependentes do masculino do que de acordo com sua capacidade precisariam estar, vivem aquém de suas possibilidades e, chegam até a viver de maneira tola para agradar aos homens. A mulher que não conseguiu se desligar do complexo paterno originalmente positivo define-se por meio do homem, deixa que sua identidade seja atribuída pelo homem ou pela relação com autoridades, com o intelecto, etc.

A identidade da mulher deve ser alcançada no lidar consigo mesma como mulher, no lidar com outras mulheres, com as quais este tipo de mulher rivaliza, e no lidar com o materno e a mãe.





FRASES DE COMPLEXO MATERNO E PATERNO NEGATIVOS

“Um ser humano ruim em um mundo ruim” – o complexo materno originalmente negativo em mulheres

No complexo originalmente negativo é típico o sentimento vital de que o individuo deve lutar por tudo que seja absolutamente imprescindível. No lugar de amor não exigente, de segurança, nutrição, proteção, interesse, atenção, tal como experimentados no complexo materno originalmente positivo, encontra-se o sentimento vital da solidão, do estar à mercê de alguém, o sentimento de não receber o suficiente para a vida.

Enquanto o complexo materno originalmente positivo transmite uma confiança primordial e um sentimento vital de direito natural à existência, ou até mesmo a algo mais, o complexo originalmente negativo provoca desconfiança primordial e, em conexão com isso, um medo existencial e o imperioso sentimento de não ter direito à existência. No lugar do sentimento vital de participação, do pertencer à unidade familiar, que se transfere para a vida e dá à criança o sentimento de estar inserida em uma comunidade, o marcante aqui é o enclausuramento dos irmãos uns com os outros e o isolamento contra o mundo externo.

O anseio por um sentimento vital oceânico, que se vincula ao sentimento da participação, é grande. E, em conformidade com a marca deixada pelo complexo fundamental, tal pessoa acha que deve lutar por isso. O sentimento de que o indivíduo é ele mesmo o culpado pela sua própria infelicidade, ou seja, o sentimento primário de culpa tem raízes profundas. Entretanto, quando uma criança tem a impressão de não possuir nenhum direito à existência e, em conexão com este fato, o sentimento de ser ela própria a culpada por isso, então ela fará tudo – pressupondo certa vitalidade – para conquistar esse direito à existência.



A atmosfera do complexo é sexualizada, como se a sexualidade fosse o último baluarte em que os corpos ainda aparecem. Dedicação, no nível corporal, não existe; apenas doenças, resfriados – o que não é de se espantar nesta fria atmosfera.

Nesse tipo de complexo as exigências que um indivíduo, marcado por ele, impõe a si mesmo a fim de ser finalmente digno de amor, são monstruosamente altas, não podem ser atingidas.

Mulheres com complexo materno originalmente negativo freqüentemente permanecem muito ligadas à mãe, deixam-se tiranizar, jogam jogos recíprocos de poder – sempre na esperança de um dia finalmente conseguirem a vitória sobre a mãe, mesmo que seja uma vitória tardia.

MÃES SOBRECARREGADAS – como surge um complexo materno negativo

O complexo materno originalmente negativo não depende apenas da interação da criança com a mãe, mas também, com o campo materno total. Mães que não queriam ter filhos e, posteriormente não conseguem aceitá-los, aprová-los dão à criança pouca chance para uma boa interação.

Mães sobrecarregadas são pouco compreensivas na interação com a criança – sobrecarregas porque os parceiros não assumem seu papel ou inconscientemente desvalorizam as mães e seu trabalho de relacionamento.

Mães que exigem muito, que vêem a si mesmas, mas não ao filho, tem também dificuldades para deixar que a criança se desenvolva de acordo com sua própria natureza. Mulheres que possuem elas mesmas um complexo materno originalmente negativo e não se emanciparam dele tem, em geral, dificuldade de realmente oferecer à criança um interesse genuíno.

Surge um complexo materno originalmente negativo, também, quando a pessoa que educa e a criança não combinam entre si: há verdadeiras incompatibilidades entre pais e filhos.





“Como se estivesse paralisado” – o complexo materno originalmente negativo nos homens.



A maioria dos homens com essa marca de complexo se refugia no mundo da produção, do desempenho, ou seja, no mundo paterno, no qual se fazem exigências, altas exigências e, por mais complicada que essa marca seja, conseguem mais facilmente manipulá-la.

Mulheres com essa marca de complexo têm uma grave problemática de identidade para superar. Quando conseguem escapar com êxito para o mundo dos pais, são particularmente prejudicadas porque desenvolvem uma identidade derivada deles. Mulheres que tem menos êxito no mundo dos pais devem lidar com seu problema de identidade,tanto quanto aquelas que foram melhor sucedidas.

DESCONFIANÇA PRIMORDIAL E MEDO - sumário do complexo materno originalmente negativo

As pessoas com um complexo materno originalmente negativo têm em comum o fato de acharem que são um si-mesmo ruim em um mundo ruim, que não tem direito inquestionável à existência e que são, por fim, elas mesmas culpadas disso. Então, freqüentemente permanecem muito afeiçoadas, quase “coladas” na relação com a mãe ou com pessoas para as quais podem transferir seu complexo materno, mesmo que não sejam tratadas como gostariam. Perseveram a despeito de tudo que sofrem, porque esperam inconscientemente a “benção da mãe”, esperam que a mãe reconheça “seu erro na desvalorização”.

Nutrem o sentimento de não pertencer a outras pessoas, embora se esforcem bastante para se tornarem indispensáveis. Contudo e apesar desse grande investimento, é intensificada a expectativa, pertencente a esse complexo, de serem novamente rejeitadas e repelidas pelos outros, de serem mal vistas, maltratadas. A partir daí e com a convicção ligada a isso de serem um eu isolado, surgem enormes dificuldades de relacionamento. Ao invés da confiança primordial e um bom sentimento vital ligado a ela, predominam a desconfiança primordial e o medo, resultando disso a crença de que tudo que é controlável deve também ser controlado. Essa postura de compensação é com freqüência interpretada e experimentada pelos outros como “complexo de poder”. Tal atitude compensatória é uma tentativa desesperada de não soçobrar, de não sucumbir a essa marca de complexo. A desconfiança primordial, associada à experiência de precisar, na infância, inspecionar minuciosamente a situação em casa a fim de poder afastar as situações demasiadamente perigosas ou de poder aproveitar para seu bem-estar situações mais favoráveis faz com que toda expressão emocional, toda ínfima mudança emocional de outros indivíduos chamem a atenção dessas pessoas. Essas expressões emocionais podem ser interpretadas no sentido do complexo dominante, geralmente da repulsa, ou consideradas como rejeição, ofensa. A isso reagem com grande fúria ou com agressões passivas. A dificuldade para lidar com a agressividade nessa marca de complexo é grande.

Outro sentimento importante que se associa à desconfiança primordial é o desamparo. Apesar da luta inaudita para fazer parte do mundo e de tudo que ele pode oferecer o rivalizar é fortemente desenvolvido e o amar ativamente é pouco desenvolvido, apesar dessas pessoas exigirem de si,no âmbito das relações, muito trabalho pelos outros . Tanto a convicção de que se deve lutar por aquilo que falta, quanto a censura permanente ao mundo pelo que falta sempre – serem bem tratadas – não proporcionam o sentimento do amor, da aceitação e da boa autoestima pelo qual anseiam.

Assim, muito freqüentemente o caminho por meio do complexo paterno é procurado: tenta-se conquistar a autoestima e o sentimento de ser digno de amor por meio do desempenho e do trabalho. Por meio do desempenho no mais amplo sentido, essas pessoas procuram ganhar um direito à existência no âmbito social.

O que também chama a atenção no complexo materno originalmente negativo além do nítido problema de autoestima, ligado a diversas formas do medo é quão freqüentemente se mostram no corpo os problemas de vida originados por causa disso. Aqui são encontrados os mais variados distúrbios psicossomáticos.

É preciso que essas pessoas descubram o quão identificadas estão com suas mães e onde se comportam como suas mães ou quando projetam a imago da mãe de seu complexo materno sobre o mundo ou sobre outras pessoas com as quais convivem.

A relação com outras mulheres seria uma possibilidade de vivificar outras imagens femininas na própria psique; mas, caso a marca de complexo seja muito acentuada este caminho está inicialmente bloqueado e só se espera o pior das mulheres.

Contudo, se um caminho está aberto ou elas se deixam abrir para relações amigáveis com mulheres, onde esteja presente a esperança de um elemento materno sustentador, em que outro modelo do si-mesmo e do mundo seja ao menos considerado como possível, mesmo que seja “apenas” na base da fantasia, da literatura - forças autorreguladoras agem na psique, desempenhando um papel significativo na correção de marcas de complexo, papel este que não deveria ser subestimado.

Nesta constelação de complexo é essencialmente importante que as pessoas não esperem que alguém lhes de o direito à existência, mas que resolvam dá-lo a si mesmas, já que simplesmente existem.





“Esmagado até virar um nada” – o complexo paterno originalmente negativo no homem



Faz parte da atmosfera desse complexo o sentimento de que a qualquer momento o menino poderia ser triturado pelo grande pai – portanto, depende absolutamente deste seu direito à existência.

VIVER COM O RECEIO DE SER ESMAGADO A QUALQUER MOMENTO PODE SER PIOR DO QUE O MOMENTO EM QUE A CRIATURA TEMIDA FINALMENTE ENTRA EM CENA.

O filho não quer jogar a culpa no pai por essa fatalidade e nem ser culpado por ela.

As atitudes desproporcionais por parte dos pais aos acontecimentos da vida dos filhos fazem com que as crianças não consigam estabelecer uma ligação entre os dois acontecimentos. A reação exagerada do pai lhe aparece como arbitrariedade. A conseqüência: o pai é experimentado como a “ultima instância”, que tem o poder de a qualquer momento transformar o filho em um nada, de aniquilá-lo ou pelo menos de expô-lo a uma vergonha abissal. Kafka em sua “Carta ao Pai” oferece um exemplo disso:

“Há apenas um episódio dos primeiros anos de que me lembro diretamente. Você deve se lembrar também. Uma noite chorei pedindo água, certamente não por estar com sede, mas provavelmente em parte para irritar, em parte para me divertir. Depois de terem falhado diversas ameaças vigorosas, você me tirou da cama, levou-me para a sacada e me deixou lá sozinho por algum tempo, de camisola, do lado de fora da porta fechada.

...Mesmo anos depois sofri com a fantasia atormentadora de que o homenzarrão, meu pai, a última instância viria quase sem razão nenhuma e me tiraria da cama à noite e me levaria para a sacada, e isso significava que eu era um nada para ele.

Esse foi apenas um pequeno começo, mas este sentimento de nulidade que freqüentemente toma conta de mim vem em grande parte de sua influencia. O que eu precisaria era de um pouco de encorajamento, um pouco de amizade, que você me abrisse um pouco o caminho, e ao invés disso você me bloqueou, embora com a boa intenção de me fazer seguir por outra. Mas eu não estava ajustado para essa outro.”

Essa lembrança, que possivelmente também representa outras experiências que Kafka teve com o pai, retrata um aspecto essencial de seu complexo paterno. Após essa lembrança, ele formula o que teria necessitado: encorajamento, amizade, um caminho aberto. Mas prevaleceram as leis da “ultima instância”, do pai.

Portanto, é um aspecto essencial do complexo paterno do filho que as leis do pai prevaleçam e, se assim é, então as leis do filho não valem nada. Se o filho não se rebelar, desemboca no sentimento de nulidade. Se se rebelar, perde a benção do pai. O sentimento de nulidade está ligado com vergonha e culpa - em conseqüência, o filho torna-se manipulável.

Como observava Kafka, e isso era extremamente opressor, as leis que seu pai lhe impunha não valiam para ele, pai. Assim, o pai é vivenciado como a medida de todas as coisas, que inventa leis isoladamente para o filho que, por sua vez, não consegue cumpri-las e por isso é impelido a um estado de solidão, a um mundo diferente do paterno.

Um segundo aspecto do complexo negativo do filho consiste em que ele não se sente encorajado a seguir um caminho próprio, devendo, em vez disso, seguir o caminho que o pai lhe preparou. Quanto mais o pai tiver em vista apenas a si mesmo, quanto mais bloquear a visão para o próprio filho, então mais fatal será o efeito desse aparente “cuidado”.

O aspecto essencial do complexo originalmente negativo consiste no fato de o filho não poder entrar em uma “relação-de-nós “ com o pai, nem no sentido de uma interação feliz em que ambos tem o sentimento de que algo surgiu, por estarem juntos - algo que cada um por si não poderia fazer surgir – e, nem no sentido da identificação.

Experiências como trocar de roupa juntamente com o pai, ir ao encontro de outras pessoas agarrado na mão do pai contribuem para a experiência do nós. A corporeidade do adulto não é vivenciada como opressora em complexos suficientemente positivos, pelo contrário, a criança identifica-se com ela, pelo menos para o futuro.

Outro aspecto importante do complexo originalmente negativo é a introjeção da excessiva exigência do pai como reinvidicação própria do filho. Esse é o quarto aspecto do complexo – o tema da exigência excessiva do filho. Ao se fazer exigências excessivas, fica preso em leis contraditórias que não lhe possibilitam encontrar a lei própria de sua vida. Além dessa exigência psicológica, sente não possuir a força do pai, o apetite do pai, a habilidade do pai... Desta forma, o pai sempre é superior ao filho. E este se não for igual ao pai sente-se nulo e não merecedor de sua benção. Apenas, quando se é como a “última instância” tem-se a possibilidade de não mais ser vítima dela; mas, ainda assim, não há liberdade real.



EMBARAÇADO NA AUTODESVALORIZAÇÃO – A dificuldade de se libertar deste complexo

Ao escrever, Kafka deu a direção ao seu desligamento e emprestou a este ato um significado para a conquista da autonomia bem maior do que a imagem do verme inicialmente sugerida. O escrever era um âmbito não ocupado pelo pai, onde havia, portanto, para o filho uma relativa liberdade de autoconfiguração. Entretanto, ele opina sobre seus escritos do mesmo modo que teria feito seu pai – ele os desvalorizava. Por outro lado, desejava se afirmar perante o pai, através desses escritos que, para si, reconhecia ter valor. Enfim, ele não conseguia se contentar realmente com seu sucesso sem a benção do pai.

“Minha avaliação de mim mesmo dependia mais de você do que de qualquer outra coisa como, por exemplo, de um sucesso externo.”

Kafka tentou desesperadamente tornar-se livre deste complexo paterno que o dominava. Apenas o ato de escrever não bastava. Assim, tentou conseguir o desligamento por meio do casamento.

As intenções de casamento falham necessariamente, pois o sentido do casamento não pode ser o de se mostrar igual ao pai e iniciar, com isso, o desligamento desse complexo.

Emrich resume de forma concludente em um interessante posfácio a essa “Carta ao Pai” , a problemática fundamental:

“O si-mesmo masculino, fundador de verdade, absoluto de Kafka não vê nenhum si-mesmo absoluto de verdade no feminino da amada. Disso não pode surgir amor algum, que poderia romper o círculo vicioso de dominar e ser dominado, de superioridade e inferioridade...”.

Neste sistema do complexo paterno, a mulher não tem nenhum lugar que lhe seja apropriado. O amor, aqui, não é possível. Aliás, Emrich acha que Kafka nessa carta não apresenta seu problema com o pai, mas que se importa em mostrar um mundo patriarcal, ou antes, o fim de um mundo patriarcal.

O que era tão destrutivo na vida do individuo revela-se destrutivo, também, em sistemas baseados em dominação e subjugação. Aquele que tanto sofre de um complexo pessoal e que, por outro lado é tão criativo, jamais descreverá apenas o que é pessoal no complexo, irá descrevê-lo também em seu significado para vida social e cultural.



OS ASPECTOS PRINCIPAIS DO COMPLEXO PATERNO ORIGINALMENTE NEGATIVO DO HOMEM:

1. Os pais são vistos como representantes de uma lei vigente.

A despeito de todo o esforço, os filhos permanecem um nada. Há uma relação de dominação-sujeição, não existe nenhuma relação-do-nós solidária. A participação é negada, há o sentimento de ser manipulado pelo poderoso, de ser um escravo mesmo. É facilmente possível desenvolver idéias de perseguição.



2. O fascínio pelo caminho próprio é proibido. O pai ou os pais determinam o caminho. Fantasias que se ocupam com o próprio caminho não entram em questão; exige-se uma adaptação, que, contudo, nunca é suficientemente boa.

3. Deve-se estar à altura do pai. Este fica em uma situação de rivalidade – não expressamente pronunciada – com o filho. O filho não recebe nenhum estímulo, mas é questionado por que ainda não é capaz de algo. Felicidade com o desempenho não é possível, pois o filho está sempre em descompasso com as exigências que lhe são impostas. Tudo se passa como se a participação que é negada no nível emocional pudesse ser oferecida no nível do desempenho. Mas isso é uma ilusão, um logro. Não é possível conquistar essa participação, pois o filho nunca consegue satisfazer as exigências do pai, ele se sente culpado e envergonhado. Se ele, no entanto, conseguisse satisfazer ou até mesmo superar as exigências do pai, ele também não receberia o reconhecimento, pois o pai apresentaria a próxima tarefa “insolúvel”.

4. Os sentimentos de culpa e de vergonha são os sentimentos predominantes desta constelação de complexo, ligado a eles está o sentimento de nulidade. Enquanto lutar para conseguir o reconhecimento de um dos pais, o indivíduo ficará em sua esfera de influência. Não se deveria sacrificar o significado do si-mesmo, nem a vida particular, mas sim, a necessidade de aceitação paterna. Devemos dar a nós mesmos o direito à existência.

Homens com um complexo paterno originalmente negativo possuem uma grande necessidade que outros homens o reconheçam. O rivalizar a qualquer preço, também, pertence a esse complexo. A maneira exigente de lidarem consigo mesmos, o desvalorizar e o criticar a si mesmos são também um comportamento que trazem para as relações.Do mesmo modo como são duros e exigentes consigo mesmos, eles o são em relação aos outros.Da mesma maneira como não conseguem, em última análise, reconhecer o que fizeram, eles também não conseguem reconhecer o desempenho de outras pessoas. O sentimento vital dessas pessoas é um sentimento extremamente fatigado, sem que elas possam desfrutar seu sucesso.

Como em qualquer outro complexo dominante, é preciso conscientemente perceber em si ambos os pólos do complexo. Sobretudo o papel interiorizado do pai do complexo deve ser percebido e colocado dentro de seus devidos limites.

A busca pelo próprio caminho – sem a benção do pai – é algo prioritário. Essa busca pressupõe que se sacrifique a idéia de ser tão bem sucedido quanto o pai ou mais bem sucedido que ele. Quando se deixa a rivalidade, então as esferas vitais tornam-se visíveis e habitáveis, esferas que junto ao pai foram evitadas. São elas, de modo muito particular, os espaços da anima.

“No fundo, não valho nada” – o complexo paterno originalmente negativo na mulher

Conforme o tipo de pai, o complexo paterno originalmente negativo revela-se em diversos âmbitos na vida da mulher.



“JÁ SEI QUE VOCE NÃO VAI CONSEGUIR ISSO” – Karin

Uma mulher de 23 anos, Karin, trabalha em um banco, em um alto posto. Tem qualificações extraordinariamente boas e já tem histórico de ascensão considerável. No entanto, ela se sente constantemente cansada, desanimada e sofre de muitas infecções banais. Seu médico de família lhe recomendou psicoterapia, pois ele achava que algo não estava certo em sua resistência e, que isso não podia estar condicionado apenas fisicamente. Ela parece ser enérgica, engenhosa, sabe o que quer, tem um passo firme, nunca diz uma palavra a mais, mas também jamais a menos. Chora muito rápido, é um choro dorido. Sua face se contorce inicialmente ainda sem ruído algum, e então vem um som baixo, magoado: tudo se passa como se seu impulso para chorar e a proibição de chorar fossem igualmente intensos e, a um só tempo, eficazes. Ela se julga com facilidade.

- No fundo não valho nada, é que ninguém descobriu isso ainda. Nunca encontro a decisão necessária que alguém precisa para uma posição dianteira. Eu simplesmente consigo tudo porque sou mais aplicada que os outros. Substituo talentos que não possuo por diligencia. Foi o que me ensinaram em casa, e isso também está certo. Karin tem pretensões muito altas, que precisa realizar. Caso não realize essas normas e valores, ela então é um nada, perde, assim, sua identidade. Mas, mesmo quando satisfaz as pesadas exigências, isso de nada adianta, pois de acordo com sua maneira de ver, quando os outros lhe afirmam que seu desempenho é bom, simplesmente, está ocorrendo um erro de avaliação por parte deles.Desse modo também critica arduamente seu chefe e se as pessoas a sua volta não satisfazem suas exigências, também elas são um nada – não há desculpas e nenhuma possibilidade de perdão. Ela possui um olho muito critico: ”Neste ponto sou muito semelhante a meu pai”. Sua vida também está sob a mira de um olho crítico. Tudo que ela faz é examinado criticamente. Existe algo como um olhar absolutamente crítico, diante do qual ela deve se afirmar: o olho de Deus, mas não no sentido de um olho benevolente, amável. Então, ela se sente constantemente culpada, tem a impressão de basicamente jogar mais culpa em si do que fazem as outras pessoas. Ela se lembra que seu pai vivia dizendo:

- Algumas poucas leis devem ser respeitadas, do contrário você não é minha filha, mas eu já sei (e aqui ele costumava suspirar) que você não vai conseguir fazer isso.

Ela tenta desesperadamente se mostrar à altura dessas exigências com a mais profunda convicção de que nunca conseguirá isso e com a destinada esperança de talvez conseguir. Caracteriza-se como “emocionalmente sozinha”. “Não pertenço a ninguém e também nunca pertenci”. O princípio da participação não existe. Não tem nenhum relacionamento estreito; naturalmente ela cultiva o contato com alguns colegas e algumas colegas, mas, no fundo, também, não tem tempo para o cultivo das relações e, de resto acha desinteressantes os homens e mulheres de sua idade. Quando vai a alguma festa, logo fica sozinha. Sente-se excluída em seu local de trabalho como se sente excluída na situação terapêutica. Só muito tempo depois, no decorrer da terapia, ela ficou consciente de quanto ela mesma tem a tendência a excluir as pessoas. No trabalho era considerada a instância moral, crítica, intelectual. Seus colegas se sentiam “criticados, tão logo eu aparecia”.

“VOCE NUNCA SERÁ UMA MULHER DE VERDADE” – o plano de fundo desta constelação de complexo

É típico para uma mulher com esse complexo paterno originalmente negativo o fato dela poder renunciar mais facilmente ao reconhecimento do pai ou dos pais, porque há um aspecto do si-mesmo feminino que este complexo não pode cobrir. Ela não perde sua identidade caso não ganhe o reconhecimento do pai, pelo contrário, ela é obrigada a repensar em sua identidade fora do que é marcado pelo pai.

No caso de Karin, quando ela foi capaz de revisar seu desejo de reconhecimento paterno ela, primeiro, desenvolveu uma grande fúria contra sua mãe “que a entregara para o pai”. Aos poucos foram surgindo imagens – especialmente nos sonhos – de mulheres maternais, com as quais ela encontra proteção, junto das quais gosta de ficar: e ela também encontra experiências com a mãe que mostram que esta não a entregou apenas para o pai.

O pai de Karin provavelmente era um pai com complexo paterno, para o qual o cumprimento do dever estava em primeiro lugar. Por este motivo, a filha colocou o mundo profissional em primeiro plano: no âmbito da produção, ela tentou provar ao pai que era uma filha digna.

Helen, uma mulher de 26 anos conta como se decepcionou com o pai. Até aproximadamente seus 20 anos tentou de tudo para agradar o pai que lhe dizia que ela não seria uma mulher de verdade – ou por não se arrumar como Afrodite ou por se arrumar como tal e lhe parecer vulgar a ponto de dizer para ela que daquele jeito viraria uma prostituta. Assim, colocou na cabeça que nada estava certo. Simplesmente, não conseguia agradá-lo e sentia culpa se tentasse seduzi-lo ou se não o seduzisse.

Com a mãe estava tudo certo, ela tentou por diversas vezes dizer a Helen que estava tudo bem com ela como garota. Mas, em ultima análise, ela jogou o mesmo jogo: também queria agradar ao marido e não conseguiu.

O complexo paterno provocado por este pai foi eficaz no nível da aparência exterior como mulher, o tema ser “uma mulher de verdade” ou, justamente, não ser nenhuma mulher de verdade e, também, o medo de precisar se adaptar completamente a um homem e perder a si mesma nisso, sem absolutamente ganhar algo em troca, eram temas centrais para Helen. No âmbito profissional, esse complexo não foi eficaz, contudo influenciou nitidamente sua relação com parceiros masculinos.

Ambas as mulheres foram violentadas no desenvolvimento do si-mesmo feminino. As leis dos pais valiam e não a lei vital das próprias filhas. Ambas não tiveram o direito de escolhê-lo por conta própria. Ambas percorreram o caminho em grande incondicionalidade, sempre na esperança de aceitação e da benção do pai. Não puderam estabelecer com o pai nenhuma “experiência-do-nós”. A exigência excessiva das filhas também consiste no fato delas precisarem produzir um nós por meio do desempenho, no qual absolutamente não se pode produzir nós algum.

A improdutiva luta por reconhecimento faz com que as mulheres pressintam mais cedo ou mais tarde que deve haver outra vida para elas. Desperta o anseio por uma verdadeira participação. Sentem que não podem satisfazer a ânsia por um sentimento de vida oceânico por meio desses pais que estão bastante empenhados em simplesmente não deixar suas filhas “crescerem”, “tornarem-se maiores” que eles.

Aqueles pais que negam tão claramente a experiência-do-nós às filhas fazem com que elas procurem para si algum espaço de vida fora desse complexo. A situação torna-se mais problemática nos complexos paternos que são menos explícitos. Nesses casos, existe menos necessidade de desligamento desses complexos – o que, por sua vez, faz com que essas mulheres facilmente assumam posições de filhas e sejam, por isso elogiadas, sem que sejam, de fato, levadas a sério. Outra conseqüência é que levam uma vida tal que passam a se esforçar para não sobressair em relação aos pais e, posteriormente, aos homens. Sempre se julgando culpadas, não se sentem encorajadas a procurar de modo conseqüente e resoluto o si-mesmo próprio e a forma de vida associada a isso.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



Apenas a minoria das pessoas é tão unilateralmente marcada por um complexo. As descrições feitas dos complexos devem ser compreendidas como tijolos que formam a composição de complexos materno e paterno de uma pessoa. Várias composições de complexos podem ser concebidas a partir dessa idéia e, apesar, de estruturas relativamente equilibradas, há épocas na vida em que determinadas porções de complexo são consteladas. Desse modo, a pergunta relevante é menos esta: eu tenho um complexo materno positivo? Do que esta: onde tenho um complexo originalmente positivo, quando ele se constela e como afeta minha experiência a respeito de mim mesmo e de meus relacionamentos? Ou ainda: quando em minha vida o complexo paterno se constela, que tipo de complexo é este? Quais frases do complexo são reativadas? Devo reagir, complexadamente, como sempre fiz ou posso reagir de maneira diferente?



O desligamento do complexo na idade apropriada é essencial. Muitos problemas pessoais ou do âmbito privado das relações ou problemas no campo político tem a ver com o fato de que não são empreendidos desligamentos necessários. Com isso não se quer dizer que poderíamos nos libertar totalmente dos complexos materno e paterno, mas, é possível lidar com os aspectos que na vida nos aparecem como “as mesmas dificuldades de sempre”. Devemos, particularmente, observar quão freqüentemente nos identificamos com a parte materna ou paterna de nossos complexos sem “saber” disso. Se nos libertamos muito pouco, então levamos a vida sob os mesmos temores de sempre e, possivelmente, até com vagos sentimentos de culpa pela própria insatisfação; construímos, eventualmente, gigantescas estruturas de compensação, nas quais investimos muito tempo de nossas vidas. Se nos libertamos muito pouco dos complexos, deixamos de nos tornar cada vez mais nós mesmos – em um processo contínuo de desenvolvimento – pelo contrário, permanecemos sendo aquilo que, sob “proteção” de nossos complexos, não somos realmente. Perder a si mesmo na vida é certamente uma grande culpa.

A temática do desligamento nos complexos materno e paterno é igualmente uma problemática da separação. Trata-se de ocupar o território de “um país desconhecido” e nessa ocupação de território é necessário contar consigo mesmo; confiando nos próprios sentimentos, nos próprios pensamentos, nos próprios sonhos e na capacidade própria de sempre estabelecer novas relações com as pessoas.

O objetivo do processo de desligamento é estar na vida de tal modo que se possa, sim, notar inteiramente nossa marca de complexo, como também, de tal maneira que tenhamos aprendido a perceber nossas próprias frases – em vez das frases da mãe e do pai -, nossos próprios sentimentos diante de uma determinada situação, em vez de sentimentos resultantes dos complexos. Devemos, sobretudo, aprender a seriamente dizer “eu”, dizer realmente, pelo menos de vez em quando. E, também, devemos ter a intenção disso, em vez de desaparecermos em um “as pessoas”, que é tão nitidamente o aspecto coletivo do complexo.

É um processo duro o libertar- se. O princípio de responsabilidade daí resultante, também, é duro. O ganho, no entanto, é grande. Passamos a ter o sentimento de estar vivendo a própria vida. Isso resulta em uma experiência de autenticidade, de boa autoestima e em uma certeza de sentido. O que significa, por sua vez, que nos colocamos com mais energia na vida. O eu participante possui um sentimento fundamental de direito à existência. Em virtude disso, considera legítimo participar de tudo no mundo e, assim, compreende-se como parte do todo.

O eu-da-participação, seria um eu certo de que é sustentado predominantemente por um complexo materno positivo e que por isso, também, consegue se entregar à vida.

O eu que se considera ruim, que é expressão de um complexo materno e paterno originalmente negativos, - não sente nenhum direito à existência. “Quando ser não é bom, então bom deve ser o desempenho”. Desse modo, a partir do sentimento de não ser um bom eu, de não ser um bom si - mesmo, surge uma pessoa que deve estar provando sempre que tem direito à vida por meio da produção, do trabalho. O rendimento não resulta da alegria com uma atividade, pelo contrário, ele deve resultar de uma obrigação interna e deve sempre ser visível, mensurável, comparável com os rendimentos de outras pessoas. Em última análise não se trata do desempenho, do trabalho, mas sim do direito à existência, que o individuo julga ser evidentemente melhor, quando ele sobressai em relação aos outros.



Enfim, toda marca de complexo traz no bojo seus problemas e suas possibilidades de vida. O complexo do eu deve estar sempre se libertando de toda marca do complexo, o que sempre corresponde a novas separações e novos vínculos, que devem ser assumidos.















Bibliografia:

Kast, Verena – “Pais e filhas, Mães e filhos – caminhos para autoidentidade a partir dos complexos materno e paterno.”