domingo, 7 de julho de 2013

INSATISFAÇÃO – Pontos para reflexão


Texto adaptado da teoria e clinica psicanalítica de J.-D. Nasio
Por Maria Idalina O. de A. Germann



       A crença na impossibilidade de satisfação plena, até mesmo por, inconscientemente, teme-la pode levar ao descontentamento - mantido pela  criação da fantasia de um Outro, ora forte, ora fraco e doente, sempre desproporcional e decepcionante em relação às nossas expectativas. Por esse motivo, qualquer troca com o Outro conduz inexoravelmente à insatisfação.

       A realidade cotidiana é moldada pela fantasia e as pessoas próximas, amadas ou odiadas, desempenham um papel de um Outro portador de insatisfação. Há sempre a busca por algum sinal de poder humilhante no Outro que traz a infelicidade ou de sua impotência que, apesar de comover, não é possível de ser resolvida, remediada. Enfim, quer se trate do poder do outro ou da falha, seja com o Outro da fantasia ou da realidade – é sempre a insatisfação a guardiã do perigo absoluto da satisfação plena. Para se certificar do estado de insatisfação, há sempre a busca pelo poder do outro que subjuga ou sua impotência que atrai e desaponta.

     Outra maneira de manter-se como um ser insatisfeito é erotizar, sexualizar expressões que não sejam de natureza sexual. É apropriar-se, através das próprias fantasias de conteúdo sexual – e das quais não necessariamente se tem consciência -, de qualquer palavra ou qualquer silencio que perceba no outro ou que dirija ao outro. Sexualizar  o que não é sexual significa, aqui, transformar aquilo que  pouco ou nada altera numa situação maior em um sinal evocador e promissor de uma relação sexual.  Além de se  transformar qualquer gesto em indício de desejo do outro em ter uma relação sexual, há também a criação de sinais sexuais que levam o outro a crer que o que se deseja  é enveredar pelo caminho de um ato sexual consumado. Entretanto, no íntimo, o desejo é que esse ato fracasse ,não se realize. Apegando-se ao desejo inconsciente da não realização do ato pode-se permanecer insatisfeito.


      O esforço para sexualizar a realidade exige uma capacidade de ser maleável a ponto de se estirar, sem descontinuidade, desde o ponto mais íntimo do próprio ser até a borda mais externa do mundo, tornando incerta a fronteira que separa os objetos internos dos objetos externos.


     Essa plasticidade singular, no entanto, instala a pessoa numa realidade confusa, meio real e meio fantasiada, onde se desenrola o jogo cruel e doloroso das identificações múltiplas e contraditórias com diversos personagens, e ao preço de permanecer estranho a sua própria identidade de ser e, mais particularmente, a sua identidade de ser sexuado.

     Por isso, é possível haver tanto uma identificação com o homem, com a mulher ou com o ponto de fratura de um casal, isto é, é possível encarnar a própria insatisfação que aflige um casal.


     Nesse contexto é muito frequente constatar o quanto pode ser adotada, com surpreendente desenvoltura, tanto o papel do homem quanto o da mulher, mas, principalmente, o papel do terceiro personagem através de quem o conflito surge ou, ao contrário, graças a quem o conflito é aplacado. Quer o conflito seja desencadeado ou eliminado, seja homem ou mulher – o que invariavelmente acontece é  a pessoa ocupar o papel de excluído. E deste fato, ou seja, de ser rejeitado para o lugar de excluído que se explica a tristeza que acompanha a insatisfação. E é nesses momentos de tristeza e depressão que se pode constatar a identificação da pessoa com o sofrimento próprio da insatisfação; ficando nela a impossibilidade de se dizer homem ou mulher, de afirmar, muito simplesmente, a identidade de seu sexo. A tristeza, aqui, corresponde ao vazio e à incerteza de uma identidade sexuada.

           A maneira com que nos defendemos de uma dor intolerável pode muitas vezes ser inadequada. Defendemo-nos mal porque, para aplacar o caráter intolerável de uma dor, não tivemos outro recurso senão transformá-la em sofrimento neurótico (sintomas). O que fazemos é substituir um sofrimento inconsciente por um consciente, suportável e, em última instancia redutível. Podemos sofrer segundo o modo obsessivo - sofrimento do pensar. Como fóbico: sofrimento com o mundo que nos cerca, projetando o gozo inconsciente e intolerável e cristalizando-o num elemento do ambiente externo - o objeto ameaçador da fobia.Por último, sofrer segundo o modo  histérico - sofrer conscientemente no corpo, ou seja, converter o gozo inconsciente e intolerável num sofrimento corporal. Numa palavra, o gozo intolerável  converte-se em distúrbios do corpo na histeria, desloca-se para um desarranjo do pensamento na obsessão, e expulsa-se, voltando imediatamente como um perigo externo, na fobia.