Em 1914
Freud usou o termo “Sua majestade o bebê”, para descrever o lugar dado ao bebe na estrutura familiar. É em torno dele que tudo passa a girar. É a partir dele
que se organiza a agenda da família. Além desse poder, “sua majestade o bebê” é
revestida das projeções dos pais que esperam que ele seja e realize aquilo que
idealizaram para si e sobre seu lugar no mundo. Freud fala, nesse volume da sua obra, sobre o
narcisismo e a reprodução do narcisismo dos próprios pais sobre o(s) filho(s).
Na base do
funcionamento psíquico infantil encontramos traços de megalomania, ou seja, de
onipotência narcísica que é própria da constituição do ego. O ego infantil é
revestido de um superinvestimento libidinal e se contrapõe ao, ainda, precário
sentimento de identidade. Tudo está em desenvolvimento.
O
narcisismo, enquanto superinvestimento libidinal do ego, para além da infância
caracteriza um distúrbio no desenvolvimento da relação ego-Si-mesmo. Portanto,
refere-se à questão de identidade. Nesse distúrbio encontramos “Sua
majestade o Ego”, como compensação de uma identidade frágil que não se
estruturou a partir de uma relação equilibrada entre ego e Self (Si-mesmo).
Fica evidente nesse desiquilíbrio a atitude defensiva contra prejuízos à tão frágil identidade
. A expressão eu-grandioso-exibicionista traduz bem a identidade sentida como
insuficiente. Através dele e de sua exibição a pessoa atrai para si olhares,
reflexos da admiração de outros que a ela confirmam sua imagem idealizada.
Os aspectos
dessa imagem idealizada variam de acordo com a personalidade de cada um. A
beleza, a inteligência, o temperamento, a "santidade", a honestidade, a perfeição, o poder podem ser alguns dos aspectos em torno dos quais gira esse
eu-grandioso-exibicionista.
A atitude da
pessoa para consigo mesma depende muito do centro, através do qual gravita:
- Se
acreditar que é a sua imagem idealizada tenderá a achar que é mesmo um espírito superior, um ser
humano excepcional, cujos erros são como que divinos.
- Se sua
autoimagem é baseada na comparação com a imagem idealizada tenderá a ser
demasiadamente autocrítica, menosprezando a si mesma. Assim, frases como:
deveria ter sentido, pensado, feito melhor são próprias dessa atitude e revelam
que, no íntimo a pessoa está convencida da sua perfeição; portanto, se tivesse
sido mais exigente consigo mesma ou mais isso ou mais aquilo, então...
Tanto numa
situação, como na outra o eu verdadeiro está escondido da própria pessoa. O
desiquilíbrio na relação ego-Si mesmo leva a pessoa a construir,
inconscientemente, uma imagem idealizada de si estática, rígida. No equilíbrio dessa
relação a identidade é uma construção, uma vez que o Si-mesmo é um padrão
dinâmico, inacabável – um processo contínuo de individuação.
Nesse processo
de individuação a busca é pela complementação da própria personalidade e não
pela perfeição.
Ao contrário
dos ideais autênticos a imagem idealizada, sendo estática é, certamente, um
obstáculo ao amadurecimento - ou por negação das próprias deficiências ou por
condenação delas.
Já os ideais
autênticos, por serem dinâmicos, fazem com que queiramos nos aproximar deles.
São indispensáveis, como impulso, para o nosso amadurecimento e
desenvolvimento.
A função
mais elementar da imagem idealizada é substituir a autoconfiança e o amor-próprio
verdadeiros, dando ao ego uma sensação (artificial) de significância e poder. A
onipotência, por isso, passa a ser uma crença infalível da imagem idealizada.
Surge com ela o impulso para se distinguir, para de algum modo sentir-se
superior, de triunfar sobre os outros. Como o sentimento de vulnerabilidade é
muito grande, traz consigo o medo da pessoa ser tratada com desconsideração e
humilhação; assim, a necessidade de superioridade dá à pessoa um certo prazer
sádico sobre os outros.
Da mesma
maneira que a majestade do bebê tiraniza os pais e as pessoas à sua volta a
construção defensiva que coloca o ego como majestoso, como um eu-grandioso traz
sérios prejuízos ao desenvolvimento real da personalidade, impedindo que a
pessoa aprenda a lição com seus erros ou inadequações - uma vez que não os
enxerga. Está sob a tirania desse eu grandioso a quem não interessa amadurecer.
Aliás, a ideia de amadurecimento quando aceita tende a ser compreendia como
obtenção de uma imagem idealizada ainda mais perfeita.
Deixar de
estar sob a tirania do próprio ego, renunciar à imagem idealizada desse
eu-grandioso-exibicionista só será possível quando a pessoa conseguir reduzir
as necessidades que lhe deram origem. Geralmente, isso acontece quando toma consciência da base que formou a imagem idealizada e da função de suas defesas. E,
finalmente, do sofrimento que inevitavelmente provocam.