quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

NARCISISMO - Um olhar à luz do Mito de Narciso.


Atualmente, o narcisismo é tido como sinônimo de autoestima elevada entre um número cada vez maior de pessoas. Essa percepção fez com que buscasse no mito de Narciso uma compreensão melhor desse fenômeno.

Ovídio, poeta romano, que viveu entre 43 aC e 17 ou 18 dC, conta que Narciso aos dezesseis, dezessete anos podia ser tomado quer como garoto, quer como homem. Muitos jovens e muitas donzelas procuraram o seu amor; mas, naquela esbelta forma, era tão frio o orgulho que não houve jovem ou donzela que lhe tocasse o coração. Uma dessas jovens rejeitadas pede aos céus que ele possa amar a si mesmo e não obter aquilo que ama. A deusa Nêmesis ouve e atende essa justa prece.

Narciso, exausto pela caça e pelo calor é atraído certa vez para perto de uma fonte de água límpida, cuja superfície perfeita, jamais havia sido maculada por ave, besta ou galho caído. Enquanto tenta aplacar sua sede, outra sede o acomete e, enquanto bebe, enamora-se pela visão da bela forma que vê. Qual seria hoje essa superfície que reflete a imagem que gostaríamos de ver refletida. Essa imagem esculpida, trabalhada, produzida de forma a “causar”?

Que imagem Narciso vê refletida? Por quem se enamora? Ele enamora-se da visão, da bela forma que vê. Ele ama uma esperança sem substância e cre ser substância o que não passa de sombra. Estendido no solo observa seus próprios olhos, estrelas gêmeas... E seus cabelos? Dignos de Baco, de Apolo...Observa suas bem talhadas faces, seu pescoço de marfim, a gloriosa beleza de seu rosto, o rosado combinado à brancura da neve: enfim, tudo aquilo que nele provoca admiração é por ele mesmo admirado. Ele não sabe o que vê, mas arde de amor por essa imagem - a mesma ilusão que zomba dos seus olhos e o enfeitiça.

Não é isso que observamos cada vez mais: pessoas amando a imagem que veem refletida em espelhos ou nos olhares que provocam?

Nessa parte do mito, Narciso é questionado: Ó jovem, apaixonadamente tolo, por que buscas, debalde, abraçar uma imagem fluida? Aquilo que procuras não está em parte alguma; mas, dai as costas e o objeto de seu amor já não existirá.

A angústia de Narciso assemelha-se à das pessoas que ao não se sentirem admiradas, desejadas e ao não se verem refletidas pelo outro como imagem excepcional e exclusiva, acreditam-se vazias, sem importância. Muitas descrevem uma sensação de não existência, vivenciando assim, uma grande angustia existencial.

Continua Narciso “O próprio [objeto do meu amor] está ávido por ser abraçado. Pois, sempre que estendo meus lábios na direção da luminosa onda, ele, com a face levantada tenta chegar com seus lábios aos meus. Diríeis que ele pode ser tocado – tão frágil é a barreira que nos separa os corações apaixonados. Quem quer que sejas, vem até mim! Por que, jovem ímpar, me escapas? ...
 – Oh! Eu sou ele! Eu o senti, conheço agora minha própria imagem. Ardo de amor por mim mesmo; eu mesmo provoco chamas e sofro o seu efeito. Que devo fazer? Devo cortejar ou ser cortejado? E, afinal, para que faze-lo? O que eu desejo, eu tenho; a própria abundância da minha riqueza me faz mendigo...”

Narciso, desesperado, golpeia com suas próprias mãos o peito nu...

Segue o mito: Ele deitou sua torturada cabeça na verde grama e a morte fechou os olhos que se maravilharam à visão da beleza do seu senhor. E mesmo quando foi recebido nas moradas infernais, continuou a fitar sua própria imagem na fonte do Estige...

O corpo de Narciso não foi encontrado para ser colocado num ataúde. Em seu lugar, encontraram uma flor, cujo centro amarelo estava cercado de pétalas brancas.


O mito de Narciso revela um importante aspecto do narcisismo: a busca na realidade externa de si mesmo , como se o Si-mesmo (o Self) estivesse fora, em alguma parte ou em alguém, que não em si: “Aquilo que desejo, tenho.”


Estar separado de si, ou seja, não conhecer a si mesmo ou, ainda, não se apropriar de si mesmo, são condições que têm levado cada vez mais pessoas a essa busca que o mito de Narciso tão bem descreve. Se Narciso pudesse sentir sua existência, seu valor, sua maneira de ser, independentemente, dessa imagem fluida que lhe é refletida, como uma esperança sem substância, não teria encontrado na morte a solução para seus problemas.

 A morte no narcisismo é a sensação de vazio que angustia aquele que não se vê refletido. Lembrando mais uma vez: “O que procuras não está em parte alguma; dai as costas e o objeto de seu amor já não existirá.”

Sem dúvida, pessoas conscientes de si e de seu valor, são mais maduras e capazes de relacionamentos saudáveis. Escolhem com maior facilidade aquilo que as satisfaz, aquilo que vem ao encontro de sua maneira de ser, sentir e pensar a própria vida e a realidade que as cerca. 

Bibliografia:
Schwartz- Salant, Nathan
Narcisismo e Transformação do Caráter - A Psicologia das Desordens do Cárater Narcisista
Ed. Cultrix