"Em todo adulto
espreita uma criança – uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser,
que nunca está completo e que solicita cuidado, atenção, educação incessantes.
Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se
completa". C.G. Jung
... Existe dentro
de nós uma força criativa que nos acena, forçando-nos a sair de nossa própria
natureza essencial e a deixar o mundo antigo e familiar, dando um passo adiante
para ingressar no novo. Quando uma coisa deixa de existir, a criança é
constelada como possibilidade interior e ingressa na nossa esfera repleta de
uma ingênua vitalidade.
A criança
interior tem a mente de aprendiz. Representa a espontaneidade e o anseio
profundo da alma humana por expandir-se, crescer e investigar vastos e
ilimitados territórios.
·
Às vezes, essa
criança interior faz exigências muito intensas, apresentando-se por meio de
emoções como: ansiedade, depressão, raiva, impotência ou em sintomas físicos.
Às vezes, desencadeia em nós frágeis e sutis lampejos de inspiração – uma idéia
repentina, um sonho, uma fantasia ou a sensação de desejar com ardor algo
rejuvenescedor. A força vital e natural deste arquétipo quer o nosso
reconhecimento e não pode ser ignorada sem acarretar com isso sérias
conseqüências...
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Somente quando
dou espaço para a voz de minha criança interior é que me sinto genuína(o) e
criativa(o). A voz da criança é essencial ao processo de tornar-se único.
·
Somos arrastados,
muitas vezes, para a totalidade na vida diária, mas ao não encontrarmos
significado para o que nos acontece, deixamos de compreender os ritos de
iniciação. Não tendo noção do que seja um rito de passagem (a partida da pessoa
amada com outro (a), uma doença terminal, a morte do parceiro(a), o dar tudo
errado, sem motivo aparente,etc.), sentimo-nos vítimas, impotentes para
resistir ao Destino arrebatador. O sofrimento sem sentido faz com que procuremos escapar usando comida, álcool,
drogas, sexo. Ou, então, afrontando Deus com a pergunta: “Por que eu?”
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Através de
fracassos, sintomas, sentimentos de inferioridade e problemas intensos, somos
impelidos à força a renunciar aos apegos existenciais que se tornaram
redundantes. A possibilidade do renascimento constela-se com a perda do que
aconteceu antes. Entretanto, as pessoas apegam-se ao que lhes é familiar,
recusando-se a fazer os sacrifícios necessários, e resistem ao próprio
crescimento.
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O grito que vem
do corpo esquecido, o grito que se manifesta num sintoma, possivelmente, seja o
grito da alma que não consegue encontrar qualquer outro caminho para ser
ouvido.
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Se vivermos por
trás de uma mascara nossa vida inteira, cedo ou tarde – se tivermos sorte –
essa mascara será esmagada. Então será preciso que nos olhemos no espelho,
enxergando nossa própria realidade. Talvez fiquemos apavorados. Talvez
estejamos olhando para a nossa criança interior que suplica que lhe demos
atenção. Essa criança pode ter sido esquecida antes mesmo de sairmos do útero,
no próprio momento do parto, ou quando começamos a fazer as coisas para agradar
aos nossos pais e aprendemos a manejar nossas melhores atuações para ganhar
aceitação. À medida que a vida avança, continuamos a abandonar a nossa criança
procurando agradar aos outros – professores, patrões, amigos e parceiros, até
mesmo, os analistas. Essa criança, que é a nossa própria alma, implora, por
baixo do burburinho da nossa vida, muitas vezes imersa no cerne mesmo do nosso
pior complexo, que digamos: “Você não está sozinha. Eu amo você”.
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A criança do
nosso mundo interno sabe como ser, ao
passo que o resto de nossa personalidade sabe como fazer e como agir. Ao
trabalharmos com esses padrões, temos a oportunidade de aprender como ser com eles. Quando lidamos com a
criança interior, o lema é: “Não há para onde ir e não há o que fazer”.
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À medida que nos tornamos mais cientes da criança interior, o ego consciente irá, aos
poucos, fazendo às vezes do pai e da mãe de nossa criança. Podemos então assumir
responsabilidade pelo uso da energia da criança interior em nossa vida,
oferecendo-lhe a proteção apropriada, quando necessário.
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Como é essa
criança? A sua qualidade mais notória é a capacidade de tornar-se profundamente
íntima de outra pessoa. Com a perda da criança interior, perdemos uma grande
parte da magia e do mistério de viver. Grande parte da destrutividade que expressamos
uns para com os outros resulta da nossa falta de ligação com as nossas
sensibilidades, nossos temores, nossa própria magia.
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Aprender a
linguagem dos sentimentos é fundamental para diminuirmos a distancia entre o
ego e a criança interior, entre nós e os outros. “Sinto-me muito mal. Você
realmente me magoou quando me disse isso.” “Quero me desculpar pelos
comentários que fiz. Estava me sentindo ferido e com raiva, e lamento muito”.
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Contudo, estar
completamente com o outro também contém sua parcela de desconforto, ao lado do
prazer.Entrar em contato com essa subpersonalidade pode-nos abrir para os mais
embaraçosos sentimentos. No entanto, quando conscientizada essa
subpersonalidade pode, muitas vezes, dizer-nos quem é confiável e quem não é.
Ela costuma reconhecer as pessoas que repudiaram a própria criança vulnerável e
que, portanto, podem ferir os outros, acidental ou deliberadamente. Os homens
tem mais dificuldade ainda que as mulheres para concordar em ter contato com
sua criança vulnerável, porque para eles é socialmente inaceitável serem
vulneráveis. Suas crianças estão no esconderijo (dentro de armários, debaixo da
pia da cozinha, em cavernas, no alto da casinha na arvore, no mato, num
celeiro, no sótão...).
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A criança
vulnerável ajuda-nos a sair de situações dolorosas, se elas não podem ser
modificadas. A criança vulnerável também nos arrancará de relacionamentos
insatisfatórios, ou de ocupações profissionais não-grafificantes, assim que lhe
dermos ouvidos. A criança vulnerável está energeticamente sintonizada – tem
consciência de tudo que está acontecendo. As palavras não conseguem enganá-la
nem por um instante. Conforme o outro fala, a criança sabe se existe alguma
mudança, por mínima que seja, no elo energético entre ambos. Pode ter ocorrido
a invasão de algum pensamento externo – você pode estar pensando que horas
serão, pode derrepente ter percebido que está com fome – e a criança saberá que
você recuou. Ela tem uma sensibilidade extraordinária e reage de pronto a todo
abandono que sentir. Ela pode não saber por que esse recuo aconteceu, mas
saberá quando tiver ocorrido.
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Por exemplo, Frank estava numa relação com uma
mulher mais jovem, que gostava dele, mas que não lhe deixava dúvidas quanto a
não sentir por ele o amor necessário para levar sua relação a um casamento, que
era a expectativa dele. Frank havia repudiado sua criança vulnerável de maneira
tão completa que, a princípio, só pudemos falar com ela através do
protetor/controlador.Contudo, este concordou em nos permitir consultar
diretamente a criança.
Facilitador:
Por favor, você poderia dizer-nos como se sente quanto à relação do Frank com a
Claire?
Criança: Não
gosto nada disso. Fico magoado o tempo todo. Ele pensa que ela, com o tempo,
vai acabar aprendendo a amá-lo, mas eu sei que ela não vai. Ela só está na
história por causa das vantagens que obtém. Ele é um sujeito legal e faz coisas
por ela, e assim ela continua a relação. Eu sei que ela não o ama, e isso me
faz sentir mal. Mas ele não se importa com o que eu sinto.
Facilitador:
Se você estivesse no comando da vida do Frank, o que faria?
Criança: Eu
me afastaria dela. Quando ele está com ela eu me sinto sozinho. É muito pior do
que não ter ninguém.
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A criança
vulnerável geralmente enxerga as questões emocionais claramente e oferece bons
conselhos.
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O desenvolvimento
inteiro da personalidade ou dos eus primários tem por meta a proteção da
vulnerabilidade da pessoa.
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A inclusão da
vulnerabilidade na relação é que permite a intimidade e é o repúdio da mesma
que mais tarde destrói a intimidade. Quando repudiamos nossa criança
vulnerável, não lhe damos a devida atenção.Uma vez que é imperativo para esta
criança receber cuidado adequado, ela irá procurar em outra parte e formar elos
com pessoas à nossa volta, das quais passará a exigir o cuidado que ora lhe
falta. Esse processo não nos é consciente porque não estamos inteirados de
nossa vulnerabilidade.
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Tomar conta dessa
criança interior por intermédio de um ego consciente oferece a sensação de
força real. Isso representa o verdadeiro fortalecimento. Quando o ego está
tento à criança vulnerável e cuida dela, não há mais necessidade de confiar
apenas nos mecanismos de defesa que sempre proporcionaram a sensação de
segurança. Tampouco existe a necessidade de confiar aos outros a responsabilidade
por essa criança.
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É importante
saber que cada um de nós é essencialmente responsável por cuidar dessa criança
vulnerável interior. Quando nos incumbimos adequadamente de nossa própria
vulnerabilidade, estamos em condição de nos relacionarmos profunda e eficientemente
com os outros.
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Quando não damos a devida atenção à nossa própria criança vulnerável, ela buscará ser
cuidada por outrem e formará ligações profundas e inconscientes com o lado
paternal/maternal das outras pessoas. A idéia de que precisamos primeiro amar
nossa própria criança interior, antes de conseguirmos relacionar-nos de maneira
consciente, é semelhante ao antigo adágio segundo o qual devemos amar a nós
mesmos antes de sermos capazes de amar alguém.
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Como cuidar de
nossa criança interior? O passo mais importante é reconhecer sua presença e
desenvolver a percepção consciente dessa personalidade particular, com suas
necessidades e reações. Uma vez que tomamos consciência da criança, de suas
necessidades e sentimentos, estamos em posição de fazer algo a respeito.
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A descoberta da
criança interior é realmente a descoberta de um portal de acesso à alma. Uma
espiritualidade não alicerçada na compreensão, experiência e valorização da
criança interior pode com grande facilidade distanciar as pessoas de sua
simples dimensão de humanidade. A criança interior nos mantem humanos. Ela
nunca cresce, apenas se torna mais sensível e confiante à medida que vamos
aprendendo a oferecer-lhe tempo, cuidados, assistência paterna/materna e o
afeto protetor de que tanto é merecedora.
Bibliografia:
“O Reencontro da criança
interior”
Jeremiah Abrams (Org.)
Ed. Cultix
São Paulo