quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Reencontrar a criança interior - pontos para reflexão


"Em todo adulto espreita uma criança – uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo e que solicita cuidado, atenção, educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa". C.G. Jung

     ... Existe dentro de nós uma força criativa que nos acena, forçando-nos a sair de nossa própria natureza essencial e a deixar o mundo antigo e familiar, dando um passo adiante para ingressar no novo. Quando uma coisa deixa de existir, a criança é constelada como possibilidade interior e ingressa na nossa esfera repleta de uma ingênua vitalidade.

        A criança interior tem a mente de aprendiz. Representa a espontaneidade e o anseio profundo da alma humana por expandir-se, crescer e investigar vastos e ilimitados territórios.

·        Às vezes, essa criança interior faz exigências muito intensas, apresentando-se por meio de emoções como: ansiedade, depressão, raiva, impotência ou em sintomas físicos. Às vezes, desencadeia em nós frágeis e sutis lampejos de inspiração – uma idéia repentina, um sonho, uma fantasia ou a sensação de desejar com ardor algo rejuvenescedor. A força vital e natural deste arquétipo quer o nosso reconhecimento e não pode ser ignorada sem acarretar com isso sérias conseqüências...

·        Somente quando dou espaço para a voz de minha criança interior é que me sinto genuína(o) e criativa(o). A voz da criança é essencial ao processo de tornar-se único.

·        Somos arrastados, muitas vezes, para a totalidade na vida diária, mas ao não encontrarmos significado para o que nos acontece, deixamos de compreender os ritos de iniciação. Não tendo noção do que seja um rito de passagem (a partida da pessoa amada com outro (a), uma doença terminal, a morte do parceiro(a), o dar tudo errado, sem motivo aparente,etc.), sentimo-nos vítimas, impotentes para resistir ao Destino arrebatador. O sofrimento sem sentido faz com que  procuremos escapar usando comida, álcool, drogas, sexo. Ou, então, afrontando Deus com a pergunta: “Por que eu?”

·        Através de fracassos, sintomas, sentimentos de inferioridade e problemas intensos, somos impelidos à força a renunciar aos apegos existenciais que se tornaram redundantes. A possibilidade do renascimento constela-se com a perda do que aconteceu antes. Entretanto, as pessoas apegam-se ao que lhes é familiar, recusando-se a fazer os sacrifícios necessários, e resistem ao próprio crescimento.

·        O grito que vem do corpo esquecido, o grito que se manifesta num sintoma, possivelmente, seja o grito da alma que não consegue encontrar qualquer outro caminho para ser ouvido.

·        Se vivermos por trás de uma mascara nossa vida inteira, cedo ou tarde – se tivermos sorte – essa mascara será esmagada. Então será preciso que nos olhemos no espelho, enxergando nossa própria realidade. Talvez fiquemos apavorados. Talvez estejamos olhando para a nossa criança interior que suplica que lhe demos atenção. Essa criança pode ter sido esquecida antes mesmo de sairmos do útero, no próprio momento do parto, ou quando começamos a fazer as coisas para agradar aos nossos pais e aprendemos a manejar nossas melhores atuações para ganhar aceitação. À medida que a vida avança, continuamos a abandonar a nossa criança procurando agradar aos outros – professores, patrões, amigos e parceiros, até mesmo, os analistas. Essa criança, que é a nossa própria alma, implora, por baixo do burburinho da nossa vida, muitas vezes imersa no cerne mesmo do nosso pior complexo, que digamos: “Você não está sozinha. Eu amo você”.

·        A criança do nosso mundo interno sabe como ser, ao passo que o resto de nossa personalidade sabe como fazer e como agir. Ao trabalharmos com esses padrões, temos a oportunidade de aprender como ser com eles. Quando lidamos com a criança interior, o lema é: “Não há para onde ir e não há o que fazer”.

·        À medida que nos tornamos mais cientes da criança interior, o ego consciente irá, aos poucos, fazendo às vezes do pai e da mãe de nossa criança. Podemos então assumir responsabilidade pelo uso da energia da criança interior em nossa vida, oferecendo-lhe a proteção apropriada, quando necessário.

·        Como é essa criança? A sua qualidade mais notória é a capacidade de tornar-se profundamente íntima de outra pessoa. Com a perda da criança interior, perdemos uma grande parte da magia e do mistério de viver. Grande parte da destrutividade que expressamos uns para com os outros resulta da nossa falta de ligação com as nossas sensibilidades, nossos temores, nossa própria magia.

·        Aprender a linguagem dos sentimentos é fundamental para diminuirmos a distancia entre o ego e a criança interior, entre nós e os outros. “Sinto-me muito mal. Você realmente me magoou quando me disse isso.” “Quero me desculpar pelos comentários que fiz. Estava me sentindo ferido e com raiva, e lamento muito”.

·        Contudo, estar completamente com o outro também contém sua parcela de desconforto, ao lado do prazer.Entrar em contato com essa subpersonalidade pode-nos abrir para os mais embaraçosos sentimentos. No entanto, quando conscientizada essa subpersonalidade pode, muitas vezes, dizer-nos quem é confiável e quem não é. Ela costuma reconhecer as pessoas que repudiaram a própria criança vulnerável e que, portanto, podem ferir os outros, acidental ou deliberadamente. Os homens tem mais dificuldade ainda que as mulheres para concordar em ter contato com sua criança vulnerável, porque para eles é socialmente inaceitável serem vulneráveis. Suas crianças estão no esconderijo (dentro de armários, debaixo da pia da cozinha, em cavernas, no alto da casinha na arvore, no mato, num celeiro, no sótão...).

·        A criança vulnerável ajuda-nos a sair de situações dolorosas, se elas não podem ser modificadas. A criança vulnerável também nos arrancará de relacionamentos insatisfatórios, ou de ocupações profissionais não-grafificantes, assim que lhe dermos ouvidos. A criança vulnerável está energeticamente sintonizada – tem consciência de tudo que está acontecendo. As palavras não conseguem enganá-la nem por um instante. Conforme o outro fala, a criança sabe se existe alguma mudança, por mínima que seja, no elo energético entre ambos. Pode ter ocorrido a invasão de algum pensamento externo – você pode estar pensando que horas serão, pode derrepente ter percebido que está com fome – e a criança saberá que você recuou. Ela tem uma sensibilidade extraordinária e reage de pronto a todo abandono que sentir. Ela pode não saber por que esse recuo aconteceu, mas saberá quando tiver ocorrido.

·         Por exemplo, Frank estava numa relação com uma mulher mais jovem, que gostava dele, mas que não lhe deixava dúvidas quanto a não sentir por ele o amor necessário para levar sua relação a um casamento, que era a expectativa dele. Frank havia repudiado sua criança vulnerável de maneira tão completa que, a princípio, só pudemos falar com ela através do protetor/controlador.Contudo, este concordou em nos permitir consultar diretamente a criança.


 Facilitador: Por favor, você poderia dizer-nos como se sente quanto à relação do Frank com a Claire?

Criança: Não gosto nada disso. Fico magoado o tempo todo. Ele pensa que ela, com o tempo, vai acabar aprendendo a amá-lo, mas eu sei que ela não vai. Ela só está na história por causa das vantagens que obtém. Ele é um sujeito legal e faz coisas por ela, e assim ela continua a relação. Eu sei que ela não o ama, e isso me faz sentir mal. Mas ele não se importa com o que eu sinto.

Facilitador: Se você estivesse no comando da vida do Frank, o que faria?

Criança: Eu me afastaria dela. Quando ele está com ela eu me sinto sozinho. É muito pior do que não ter ninguém.

·        A criança vulnerável geralmente enxerga as questões emocionais claramente e oferece bons conselhos.

·        O desenvolvimento inteiro da personalidade ou dos eus primários tem por meta a proteção da vulnerabilidade da pessoa.

·        A inclusão da vulnerabilidade na relação é que permite a intimidade e é o repúdio da mesma que mais tarde destrói a intimidade. Quando repudiamos nossa criança vulnerável, não lhe damos a devida atenção.Uma vez que é imperativo para esta criança receber cuidado adequado, ela irá procurar em outra parte e formar elos com pessoas à nossa volta, das quais passará a exigir o cuidado que ora lhe falta. Esse processo não nos é consciente porque não estamos inteirados de nossa vulnerabilidade.

·        Tomar conta dessa criança interior por intermédio de um ego consciente oferece a sensação de força real. Isso representa o verdadeiro fortalecimento. Quando o ego está tento à criança vulnerável e cuida dela, não há mais necessidade de confiar apenas nos mecanismos de defesa que sempre proporcionaram a sensação de segurança. Tampouco existe a necessidade de confiar aos outros a responsabilidade por essa criança.

·        É importante saber que cada um de nós é essencialmente responsável por cuidar dessa criança vulnerável interior. Quando nos incumbimos adequadamente de nossa própria vulnerabilidade, estamos em condição de nos relacionarmos profunda e eficientemente com os outros.

·        Quando não damos a devida atenção à nossa própria criança vulnerável, ela buscará ser cuidada por outrem e formará ligações profundas e inconscientes com o lado paternal/maternal das outras pessoas. A idéia de que precisamos primeiro amar nossa própria criança interior, antes de conseguirmos relacionar-nos de maneira consciente, é semelhante ao antigo adágio segundo o qual devemos amar a nós mesmos antes de sermos capazes de amar alguém.

·        Como cuidar de nossa criança interior? O passo mais importante é reconhecer sua presença e desenvolver a percepção consciente dessa personalidade particular, com suas necessidades e reações. Uma vez que tomamos consciência da criança, de suas necessidades e sentimentos, estamos em posição de fazer algo a respeito.

·        A descoberta da criança interior é realmente a descoberta de um portal de acesso à alma. Uma espiritualidade não alicerçada na compreensão, experiência e valorização da criança interior pode com grande facilidade distanciar as pessoas de sua simples dimensão de humanidade. A criança interior nos mantem humanos. Ela nunca cresce, apenas se torna mais sensível e confiante à medida que vamos aprendendo a oferecer-lhe tempo, cuidados, assistência paterna/materna e o afeto protetor de que tanto é merecedora.



  



Bibliografia:

“O Reencontro da criança interior”

Jeremiah Abrams (Org.)

Ed. Cultix

São Paulo

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

EU - UM COMPLEXO

texto adaptado do livro de Verena Kast "Pais e filhas Mães e filhos"


O conceito de complexo é um dos conceitos centrais da psicologia de Jung. Está em relação direta com o desenvolvimento de uma pessoa – algo que o senso comum sugere.

Complexos são constelações especificas de lembranças, de experiências e fantasias condensadas, ordenadas em torno de um tema básico semelhante e carregadas com uma forte emoção da mesma qualidade. Quando alguma vivencia atual toca nesse tema ou nos afetos correspondentes, reagimos de maneira complexada, isto é, enxergamos e interpretamos a situação no sentido do complexo. Tornamo-nos emocionais e nos defendemos de modo estereotipado, ou seja, da mesma maneira como já fizemos antes.

Segundo Jung, os complexos têm um núcleo arquetípico, ou seja, eles se formam no ponto em que aborda algo indispensável à vida. São núcleos afetivos da personalidade do indivíduo, provocados por um embate doloroso ou significativo para ele, com uma demanda ou um acontecimento no meio ambiente, para o qual ele não está preparado.

Essa definição sugere que os complexos surgem da interação do bebe, da criança, com as pessoas de seu relacionamento. E a primeira infância é naturalmente uma situação marcante especialmente sensível para o surgimento dos complexos; contudo, eles podem surgir a qualquer momento enquanto vivemos. Enfim, nos complexos, estão retratadas as interações problemáticas e marcantes, como também, as histórias de relacionamento de nossa infância e de nossa vida posterior, juntamente, com as emoções correspondentes, com as formas de defesa dessas emoções e as expectativas daí provenientes como, por exemplo, o estilo de vida que se quer ter.

Assim quando, uma relação é difícil ou portadora de significado entre duas pessoas, em que emoções entram em jogo, um complexo é instalado. Todo evento semelhante é, então, interpretado de acordo com esse complexo, além de reforçá-lo. Nos complexos são reproduzidos episódios de nossa vida que se distinguem por uma emocionalidade especial.

Os pais, mães ou irmãos não são retratados nos complexos exatamente como eles eram; os complexos parecem ser, antes, uma complicada fusão de algo factualmente experienciado e algo fantasiado, de expectativas frustradas, etc. Contudo devemos constatar que, por meio de uma dissolução parcial dos complexos, mais recordações se libertam, tornando possível maior acesso a historias particulares da vida. Com isso o sentimento de vida se enriquece, ocupa-se melhor o complexo do eu, e se experimenta a auto-identidade também na continuidade. A história real é algo muito misterioso e impossível de ser realmente reconstruída.

Os complexos não nos marcam apenas, eles também são constelados, eles “entram em ação”. Por meio de uma experiência de relacionamento que lembra uma situação-complexo, por intermédio de um sonho ou de uma fantasia, o complexo se constela. Ou seja, nestes casos nós reagimos emocionalmente a situações atuais de modo impróprio, temos uma superreação. Reagimos não só à situação atual, mas sim a todas as situações de nossa vida que se assemelham de maneira tão fatal a essa situação. Também, pode-se dizer que em tais ocasiões sofremos de um distúrbio perceptivo porque percebemos de acordo com o complexo e ofuscamos o que não pertence ao episódio-complexo. Como conseqüência, temos uma estratégia estereotipada que, supostamente nos ajuda a lidar com a situação.

Os complexos são vistos como algo que inibe a pessoa e faz o individuo, nas situações que exigiriam dele uma resposta diferenciada, responder e reagir sempre da mesma maneira estereotipada; todavia, eles também contem germes de novas possibilidades de vida.

Do complexo do eu, Jung dizia que ele forma o “centro característico” de nossa psique, mas que é, apesar disso, apenas um complexo. “Os outros complexos associam-se mais ou menos ao complexo do eu e, desta maneira, tornam-se conscientes”. A tonalidade de sentimento do complexo do eu, o sentimento de si mesmo, Jung entende como expressão de todas as sensações corporais, mas também, como expressão de todos aqueles conteúdos de representação que atribuímos a nossa pessoa. As associações ligadas ao complexo do eu giram em torno do tema vital da identidade, do desenvolvimento da identidade e do sentimento de si mesmo, da autoconsciência que se vincula a isso. A base da nossa identidade é formada pelo sentimento de estar vivo; neste sentimento se enraíza a possibilidade de se impor como eu na vida, de fazer algo, enfim, de autorrealizar-se. No decorrer do desenvolvimento, a autodeterminação pertence cada vez mais à atividade do eu, em contraposição à determinação externa. O desligamento dos complexos não dependente apenas dos complexos e dos pais concretos, mas, de modo inteiramente decisivo, da atividade e vitalidade do eu.



O complexo do eu de uma pessoa deve desligar-se, de modo apropriado à idade, dos complexos materno e paterno, para que ela possa perceber suas tarefas de desenvolvimento e ter a sua disposição um complexo do eu coerente – um eu suficientemente forte – que lhe permita perceber as exigências da vida, lidar com dificuldades e conseguir certo grau de prazer e satisfação.

Na constelação de cada complexo materno ou paterno podem-se constituir diversos modos de comportamento que ajudam o filho a estabelecer com a mãe ou com os pais, ou na família como um todo, uma atmosfera suficientemente boa para preservá-la para si. Estes modos de comportamento conservam-se na vida futura. Caso nos tornemos conscientes deles, poderemos decidir se queremos ou não mante-los.

O desligamento do complexo é possível através da identificação e conscientização dos complexos e suas marcas. Esse desligamento é necessário para nos tornarmos pessoas mais independentes e mais capazes de estabelecer vínculos.

Há complexos com marcas positivas e negativas. Os complexos originalmente positivos são aqueles que tiveram uma influencia positiva sobre o sentimento de vida e, assim, sobre o desenvolvimento da identidade da pessoa e continuam a influenciar positivamente, caso ocorra um desligamento na idade apropriada.

O complexo materno originalmente positivo proporciona a uma criança o sentimento de um incontestável direito à existência, o sentimento de ser interessante e de ter parte em um mundo que oferece tudo de que alguém necessita – e um pouco mais. A partir disso, esse eu pode entrar em contato, de modo confiante, com um “outro”.

O corpo é a base do complexo do eu. Sobre a base de um complexo materno positivo, as necessidades corporais são vivenciadas como algo “normal” e também podem ser normalmente satisfeitas. Há uma alegria natural com o corpo, com a vitalidade, a comida, a sexualidade. O corpo pode expressar emoções e é capaz de aceitar e receber essas manifestações provenientes também de outras pessoas.

Esse complexo do eu assim consolidado pode romper seus limites na experiência corporal com outra pessoa, sem medo de nisso se perder. Também, é possível compartilhar intimidade psíquica, além da corporal. Desse modo, os outros são compreendidos de forma fundamental, assim como, geralmente se é compreendido. Os outros contribuem para nosso próprio bem estar psíquico, como podemos contribuir para o bem estar dos outros.

Uma pessoa que pode contar com o interesse e a compreensão do outro e experimenta certa plenitude de amor, cuidado e segurança desenvolverá uma saudável atividade do eu.

A idealização das figuras dos pais deve ser superada por volta dos vinte anos. Nessa fase, os complexos materno e paterno tornam-se na sua maioria conscientes. Cada marca de complexo permite determinados passos de desligamento e inibe outros. Vai depender da força de cada um, do impulso de autonomia que os jovens, a despeito das marcas dos complexos, possam apresentar.

O desligamento é um compromisso entre aquilo que uma pessoa deseja para si e para a própria vida e o que o meio ambiente (pai, mãe, professores, grupo social, etc) deseja para ela. Fases nítidas de desligamento, como a adolescência, estão relacionadas a uma disposição de ruptura, são fases de profunda mudança. O complexo do eu está se reestruturando, ou seja, há um sentimento instável de autoestima.

De modo geral, pode-se dizer que, na fase de desligamento, as pessoas que não são propriamente o pai ou a mãe, mas nas quais é possível projetar algo de paternal ou maternal, desempenham um papel significativo, assim como as imagens de divindades paternas e maternas e seus respectivos programas de vida.