segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Falando sobre Culpa

Ao falar sobre o processo de autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal, venho destacando qualidades, disposições inatas, recursos que, devidamente mobilizados, aumentam a potencia do indivíduo no sentido de sua autorrealização. Além da motivação, disciplina, força de vontade e da capacidade para resistir às frustrações inerentes à liberdade de escolha do ser humano, os sentimentos tem seu lugar e são parte importante nessa engrenagem que move ou paralisa cada um de nós na direção da aceitação de si mesmo, do equilíbrio, do bem estar.
Medo, tristeza, raiva e inveja são sentimentos que tanto podem ser vivenciados de forma negativa, como positiva. Cada um deles pode ser transformado, à medida que for compreendido e aceito como condição humana. Cabe saber, aprender a lidar com eles, para tirar-lhes o melhor. Por exemplo, do medo – a auto preservação, da raiva – a auto defesa e da inveja – a criatividade.
A culpa me parece ser um dos sentimentos mais complexos e com sérias implicações no comportamento e, portanto, na vida do ser humano. Ela é avassaladora, corrói a alma, assola a auto-estima e faz com que projetos de vida sejam construídos mais com base na expiação do que na realização; isto é, ao invés de realização, o que se busca com eles é castigo ou punição. Muitas histórias de insucesso ou de sofrimento emocional sem fim podem ter como pano de fundo o sentimento de culpa.
A necessidade de expiar culpa inibe o crescimento pessoal, conduzindo a pessoa a distorções na percepção de si e da realidade que a cerca. Ela fica à mercê desse agir que não dá ouvidos a ninguém, muito menos, a si mesma – ao seu mais profundo e autentico eu. Acredita-se sempre em dívida, sempre deixando a desejar, focando sua autocrítica naquilo que faltou completar, naquilo que não fez tão bem... Em outras palavras, fixando seu olhar no que faltou realizar e não no que realizou.
Geralmente, são pessoas que se exigem muito, que colocam metas muito distantes de si, metas quase inatingíveis, que constroem projetos grandiosos e que, por isso mesmo estão sempre insatisfeitas com seus conseguimentos. Por conta dessa dificuldade de se aceitarem como são, estão sempre cheias de justificativas para os seus comportamentos e não raro são desconfiadas e auto-suficientes. Com isso, afastam-se da realidade – único cenário onde é levado a termo aquilo que se deseja.
Viver intensamente a falta, o insucesso, a derrota, o fracasso, expia a culpa. Afinal, quem a vivencia acredita, mesmo que de forma velada, que merece ser castigado! Levar pedras até o alto de uma montanha e vê-las rolar de lá, eternamente, foi o castigo que recebeu Sísifo (personagem da mitologia grega) pelos crimes que cometeu! Quantas ações, comportamentos, projetos de vida, não deixam de ser realizados, aparentemente, sem nenhuma razão para tal? Não serão eles as pedras de Sísifo? Ou seja, qual a real finalidade dessas ações e que sentido elas encerram?
Além do sentimento de culpa decorrer, em grande parte, da percepção que o sujeito tem de si - quanto ao que aprendeu ser esperado dele, do modo como age e dos seus sentimentos em relação a essa expectativa – há aquele que resulta da traição da alma por si mesmo! Não ser verdadeiramente aquele que se é, não dizer aquilo que realmente pensa, sente ou quer, enfim, agir na maior parte do tempo para agradar, para se esquivar ou evitar crises, confrontos com os outros – é trair a alma! Deixar de colocar em prática - simplesmente por deixar- projetos de vida, desde os mais simples desejos às mais complexas realizações – é trair a alma! Quando se pensa mais no que poderia ter sido dito ou feito do que no que se fez ou disse, possivelmente, a alma foi traída! Quanto mais se atribui aos outros a responsabilidade pela própria realização ou a culpa pelo seu fracasso, maior é a traição da alma por si mesmo!
Trair a alma é tão grave que o corpo sinaliza a ameaça ao eu: taquicardia, sudorese, boca seca, dilatação de pupilas, tremores, respiração curta, etc.; enfim, alguns ou todos os sintomas próprios da ansiedade são, também, sinais de traição a si mesmo!
Também aqui, há quem não de ouvido a esses sinais e siga adiante, em direção a anulação de si mesmo... - o pior dos castigos! Como último apelo, a depressão é desencadeada – mais um sinal do eu desamparado - o grito de socorro da alma traída!
Assim concluo que, até mesmo, o doloroso sentimento de culpa é de fundamental importância ao processo de autoconhecimento e realização pessoal. Mais uma vez:- o trabalho de conscientização dos sentimentos e a aprendizagem dos modos de lidar com eles, que cada um pode desenvolver, são fundamentais para uma vida saudável e realizada. É preciso acolhê-los para se transformar.