quarta-feira, 15 de março de 2017

Casamento

Via de regra, a masculinidade e a feminilidade puras se atraem fortemente. Não são inimigas nem oponentes hostis, como parece ser o caso na maioria dos relacionamentos matrimoniais contemporâneos. O QUE SERÁ, ENTÃO, QUE ESTÁ CAUSANDO A RETRAÇÃO DO FLUXO VITAL ENTRE MARIDO E MULHER? Acredita-se que a criança desprezada dentro de ambos vem dominando o relacionamento. Ou seja, essa criança desprezada e insatisfeita vem exigindo cuidado e atenção constantes. Ela domina a tal ponto o relacionamento conjugal que este pode rapidamente deteriorar num confronto assexuado.

Se a masculinidade e a feminilidade informes de uma criança começa a vir à tona assim que nasce ou, a partir do momento de sua concepção, é somente quando se torna consciente de sua sexualidade que a criança atinge a identidade sexual. O desenvolvimento físico e da consciência dessa sexualidade tem que ter atingido maturidade suficiente para receber o obscuro mistério da paixão sexual.


O QUE SE PODE FAZER PARA QUE ESSA CRIANÇA DESPREZADA INSATISFEITA SE TORNE REALMENTE HOMEM OU MULHER? Cada cônjuge deve evitar o predomínio dessa criança. Cada um deve assumir a responsabilidade de cuidar de sua própria criança interior.
Essa criança encontrou sempre demasiada resistência destrutiva ao seu desenvolvimento. Fizeram com que se sentisse culpada e envergonhada pela peculiaridade de sua natureza. A CRIANÇA DENTRO DO ADULTO PRECISA DESESPERADAMENTE TER A EXPERIÊNCIA DE UMA ACEITAÇÃO PLENA DE SUA NATUREZA. Infelizmente, a criança exigente costuma evocar crítica e censura por parte dos outros, principalmente, quando fala pelo corpo do adulto.
O QUE ESTA CRIANÇA DE FATO DESEJA É QUE LHE PERMITAM VIVER ESPONTANEA E NATURALMENTE.

MAS, SE NÓS MESMOS CRITICAMOS E REJEITAMOS A CRIANÇA INTERIOR, COMO PODEMOS ESPERAR QUE OS OUTROS A ACEITEM? Além disso, mesmo quando os outros tem compaixão por ela, o arquétipo do pai ou mãe negativo dentro de nossa própria psique exerce uma rejeição ainda mais forte que a alheia; em decorrência, a NECESSIDADE DE APROVAÇÃO QUE A CRIANÇA TEM TORNA-SE INSACIÁVEL, não sendo jamais gratificada.


Quando a criança exigente em nós clama por outra pessoa, esta se vê provocada a assumir o papel de progenitor negativo. Ocorre-nos então uma experiência de rejeição e traição, ao lado de uma sensação ainda mais profunda de inadequação e humilhação. Quando isso acontece no casamento, o fluxo de Eros fica completamente obstruído. Para o despertar da conexão humana entre homem e mulher, é imprescindível o desenvolvimento da capacidade de conter o sofrimento da criança exigente.

  • Prolongamos o processo de transformação da criança , quando mais uma vez a rejeitamos ou humilhamos. Não é fácil conter as dolorosas necessidades da criança exigente porque estas nos parecem sempre tão simples, justas e despretensiosas:" todo ser humano tem direito a um pouco de amor e compreensão, não? Por que tenho que sofrer e conter uma necessidade básica, tão fácil de satisfazer? De-me uma causa importante e significativa e eu lhe mostrarei o que sou capaz de suportar! Mas por que devo sofrer só porque você se recusa a fazer o jantar ou cuidar da casa? Por que devo suportar essa dor que sinto, quando você me frustra sexualmente? Por que devo sofrer por causa da sua frieza e falta de compreensão para com minhas simples necessidades básicas? Um estranho demonstraria mais sentimentos por mim do que você. Não posso tolerar! Você pode falar quanto quiser que o sofrimento não tem sentido, você pode até berrar isso lá de cima dos telhados - mas, eu sei que tenho direito de esperar certas coisas e afinal não é muito exigir um pouco de delicadeza humana"...e assim por diante.


Uma criança tem, sem dúvida, o direito de esperar que certas necessidades básicas sejam satisfeitas por seus pais. Marido e mulher, porém, não são pais um do outro; esperar mais do que honestidade e abertura mata o fluxo entre ambos. E se a criança interior ainda continuar a reclamar seus direitos do outro, o casamento ficará paralisado no padrão arquetípico Pais-filho. Não haverá possibilidade alguma para uma conexão vital entre masculino e feminino, não haverá sexo de verdade. Portanto, se homem ou mulher não vê razão alguma para aguentar as "justas" exigências de sua própria criança desprezada ou frustrada: não há esperança de reais mudanças em seu casamento; não há esperança de uma reconexão com os grandes ritmos naturais de seu próprio ser e do cosmo, a não ser que você se reconecte; enquanto tudo isso não for plenamente compreendido e vivido, seu casamento só poderá ser uma prisão estéril ou um campo de batalha.

A transformação  da criança exigente não pode ocorrer sem uma correspondente mudança interna no arquétipo dos pais negativos. Esse arquétipo é constelado no momento em que se exige do outro aquilo que parece um "direito"; enfim, tão logo começamos a nos sentir magoados ou com raiva porque o outro nos desprezou, ou não nos deu o que sentíamos ter o "direito" de esperar.

COMO FUNCIONAM INTERNAMENTE OS PAIS NEGATIVOS? Eles entram em cena assim que a criança interior começa a exigir a satisfação de seus direitos, de suas simples necessidades de amor, compaixão e compreensão. Os Pais Negativos nos fazem sentir culpa por termos essas necessidades infantis e imaturas, dizendo: " você não é capaz de se virar sozinho? Você é uma criança dependente e desprezível - você não é ninguém." Palavras desse tipo nos esmagam, fazendo com que a gente tente se levantar como puder. Nesse processo, rejeitamos as necessidades de nossa criança interior. Mas, esta é persistente e logo volta com suas exigências, ainda mais fortes do que antes. Agora a batalha se ativou com fúria total e nos vemos presos entre duas forças opostas - a criança de nossa própria natureza e a força antivida dos Pais Negativos. Perdemos assim a vitalidade e ficamos paralisados, sem saber para que lado ir. Se seguimos os Pais Negativos, nossa força vital interna cai em suas poderosas mãos e nos sentimos aprisionados. E se seguimos a criança exigente, esperando  que alguém satisfaça suas necessidades, encontramos nada menos que a mesma reação dos Pais Negativos externamente. Esse dilema só pode ser resolvido se tivermos a capacidade de conter a luta. Isso permite que os Pais Negativos interiores acabem se transformando em Pais Positivos que apoiam e nutrem a criança. Assim, a criança interior começa a receber a compaixão de que necessita e podemos então descobrir o melhor meio de satisfazer suas necessidades instintivas desprezada. Nossa criança exigente reclama furiosa cada vez que nossa natureza é oprimida. Mas, se formos buscar a solução nos outros, os Pais Negativos nos engolem.


COMO SE FORMA O ARQUETIPO DOS PAIS NEGATIVOS? O arquétipo dos Pais Negativos é quase idêntico ao superego de Freud. É possível que seja constituído do mesmo modo como Freud descreve a formação do superego: ou seja, em decorrência do confronto da criança com julgamentos de valor de seus pais e da cultura. Os Pais Negativos e o superego são impostos a partir de fora e constituem conceitos, essencialmente mentais, de certo e errado, bom e mau, deve e não deve. São sempre previsíveis, na medida em que impõem uma imagem ideal ou conceito universal ao modo pelo qual o indivíduo deveria ser comportar em cada situação, em quaisquer circunstâncias. Não são mais do que uma camada externa e morta da alma, a velha pele que a alma deve soltar para que possa reluzir com vida nova. E que, não se desprendendo, transforma-se num crescimento canceroso que lentamente invade a personalidade total e acaba por extinguir a brilhante chama da individualidade.

SERÁ QUE O SUPEREGO OU O ARQUETIPO DOS PAIS NEGATIVOS SÃO ESSENCIAIS À CONDIÇÃO HUMANA? CASO NÃO SEJA, POR QUE SE APRESENTAM COMO FATOR TÃO PODEROSO DA PSIQUE? Ao invés de apoiar a vida e a renovação, nossa cultura tem, de fato, colocado-se ao lado da força rígida e antivida do superego. Visto que esses conceitos de certo e errado ou bom e mau são tão prematuramente impingidos na criança, como será possível que esta não desenvolva um superego? Seria possível, pelo menos no que concerne a influencia dos pais, não sobrecarregar a criança com uma autoridade moral impessoal, tendo diante do comportamento dela  uma reação emocional pessoal e espontânea. Desta maneira, a criança saberia o que agrada ou desagrada seus pais e, naturalmente procuraria satisfaze-los. Esses, por sua vez, procurariam saber compreender a natureza da criança, encorajando-a com amor a continuar seus esforços para mudar um comportamento específico. Tal atitude é enormemente diferente de dizer ou sugerir que você é um mau menino ou má menina se não faz o que digo neste exato momento; passando assim, a criança a sentir o progenitor como uma força que constantemente faz com que se sinta envergonhada das expressões espontâneas de seu ser. Trata-se de uma força que nunca a aceita como realmente é e que exige o tempo todo que seja algo distinto daquilo que ela é. Isso é o Superego e isso são os Pais Negativos, porque os pais positivos protegem e cuidam com sensibilidade de tudo o que cresce, permitindo que se desenvolva lenta e naturalmente, nunca forçando ou dobrando conforme sua vontade. Nesse contexto, acredita-se que a imagem do pai (ou mãe) negativo tem mais vida e faz mais sentido que o conceito de superego. Sabemos que o desenvolvimento da consciência, a humanização do homem, exige que algumas restrições sejam impostas aos instintos. Mas isso não significa que a Natureza deva ser esmagada e forçada a ser algo que não é - como gostariam os pais negativos.


QUAL O MELHOR MODO DE NOS LIVRARMOS DOS PAIS NEGATIVOS?

Fundamentalmente, o arquétipo dos pais negativos se manifesta através de uma persistente insatisfação com nosso modo de ser, não aceitando nunca a peculiaridade, as forças e as limitações de nosso ser. Eles prosperam ao manter vivas imagens e conceitos a respeito de como se deveria ser e onde se deveria estar. Cada vez que a vida começa a fluir eles procuram conte-la provocando medo e culpa e rejeitando a validade da experiência subjetiva pessoal. Eles nos fazem desprezar as necessidades e os desejos básicos de nossa alma rotulando-os de infantis, imaturos, falsos, destrutivos ou inconsequentes. Em lugar das autenticas necessidades da alma, eles nos incitam a correr atrás de uma imagem oca de perfeição. Quando uma chama real de amor ou paixão começa a arder, eles lançam histéricos avisos de perdição e desastre. Perdem o juízo por completo sempre que a mente racional ameaça render-se a um poder desconhecido e maior. Estes são apenas alguns modos pelos quais esse arquétipo se manifesta na psique humana. Conhecer suas manobras, portanto, é o primeiro passo para diminuir seu poder sobre nós.

O modo mais eficiente de obter algum controle sobre esse "demônio multiforme" é observar como funciona num relacionamento íntimo. Perceber como ele repetidamente entra em cena para deter o fluxo e romper a conexão. Primeiramente, ele pode operar em você, depois no outro, depois em ambos.Em outras palavras, dar ouvidos àquela voz que faz avaliações IMPESSOAIS e julgamentos morais sobre o estado espiritual, psicológico ou ético da outra pessoa ou o seu próprio - isso vem sempre dos Pais Negativos, estejam eles dentro ou fora. Na prática, isso significa DIFERENCIAR AS AÇÕES OU ATITUDES DE UM INDIVÍDUO E O SEU SER.


OS PORTAIS DO AMOR

Amar outra pessoa pode ocasionar a abertura de um canal para o fluxo de amor em varias direções. Quando o amor é recíproco e flui livremente, há uma expansão da consciência e da capacidade de amar. Não é o amor que fixa a atenção exclusivamente numa pessoa ou objeto, mas sim sua necessidade de abrir um canal para que possa fluir. Uma vez aberto esse canal, o amor pode novamente permear todos os aspectos da vida.

A emoção do amor é uma onda em busca da união. Removida dessa grande e nutritiva corrente de alegria e prazer, nossa alma fica fria e exangue. O eterno desejo da alma de estar em conexão com a fecundidade das coisas vivas está contido na emoção e no mistério do amor. O amor une nossa totalidade a outra. A alma encontra a alma. Só assim não há conflitos.

O desejo obsessivo por alguém significa que fomos capturados unicamente pelo aspecto físico da alma. Mas, isso não faz diferença alguma, porque a entrada no ser espiritual do outro provavelmente se dá através desse portal. O amor precisa de um canal espiritual para poder fluir.

O amor é responsável pelo desejo de envolver, nutrir e proteger a outrem. Mas o amor em si não nutre. É você, com seu ser, sua substancia e sua alma que me alimenta, assim como minha substância irá alimentá-lo se estivermos ambos impelidos à união por essa força vital. Você não tem nada a me dar, nem eu a você, se nossas almas não forem aproximadas pelo Amor.

O amor é de fato o mais precioso de todos os bens concedidos ao ser humano, mas nem você nem eu podemos dá-lo um ao outro. Só podemos nos dar a nós mesmos, e ainda assim só se impelidos por ele.


HOMENS AMANTES E MULHERES SEM AMOR


A mulher não precisa de um "amante", mas de um homem verdadeiro para com seu próprio espírito e capaz de apreciar o amor que ela sente. Na verdade, a mulher perde o auto respeito quando se sente incapaz de expressar a generosidade fundamental de sua natureza que ama. Entretanto, a mulher moderna perdeu sua conexão com o Feminino. Em lugar de amar e se sentir amorosa, ela desesperadamente procura e exige amor. Os homens também foram forçados a abandonar sua identificação com o masculino arquetípico. A perda e a falta de amor no mundo moderno forçam muitos homens a focalizar sua atenção sobre os problemas de relacionamento. As sutilezas e vicissitudes do relacionamento humano já deixaram de ser domínio exclusivo das mulheres.

A desconfiança que hoje em dia os homens sentem com respeito ao amor da mulher é em geral válida. Isso se deve principalmente ao fato de que tantas mulheres se sentem destruídas pela menor rejeição por parte do homem que amam, até mesmo quando elas próprias fizeram algo para provocar sua raiva. Como dependem tanto do amor do homem para manter a ilusão de seu próprio amor, elas tendem a desmoronar e a se sentir desvalorizadas quando o homem é negativo com elas. É claro que isso fornece ao homem um grande poder - mas, a mulher reage com outro ainda maior: sua capacidade de paralisar o homem com sensações de culpa, sua única defesa contra a força bruta da impessoalidade e da crueldade masculina.
Em geral, a mulher é incapaz de encarar o fato que o que a está corroendo é o seu próprio sentimento de inadequação; em vez disso, ela expressa profunda dor e farisaicamente reprova o homem. Este é levado a se sentir desumanamente frio e cruel, quando na verdade apenas teve uma raiva muito humana. Isso evoca nele uma profunda cólera face à impossibilidade de ser ele mesmo e de se expressar diante dela, além de colocar unicamente sobre seus ombros a responsabilidade de manter a conexão do amor. Além disso, uma enorme ira frequentemente emerge do ego despedaçado da mulher. O homem tem, assim, noção do dano e a destruição de que ela é capaz de infligir sobre os outros ou sobre si própria quando se ve fragmentada. Como pode o homem confiar no amor da mulher, se ela é capaz de destruir a ele ou a si própria caso a expressão honesta dos sentimentos dele lhe cause dor?

Outro aspecto deste atual problema do amor consiste na desesperada necessidade que tem o homem de encontrar uma mulher cheia de amor, exigindo que ela corresponda ao ideal de mulher. Ele a atinge exatamente no ponto em que ela se sente mais inadequada; ela no entanto deve resistir, para que possa se realizar. Devido a essa exigência, ela se torna ainda menos capaz de amar.

O LEGÍTIMO RESSENTIMENTO DA MULHER PELO FATO DE SER FORÇADA A DESEMPENHAR UM PAPEL ARQUETIPICO SE SOBREPÕE ASSIM AO LEGÍTIMO RESSENTIMENTO DO HOMEM, PROVOCADO PELA FALTA DE AMOR DELA.

Se o homem deixar de exigir que a mulher corresponda ao feminino arquetípico e se esta puder se livrar de sua dependência do amor do homem para encontrar a conexão com seu próprio amor, haverá então esperança de que se possa superar esse padrão destrutivo no atual relacionamento entre os sexos.




Texto adaptado do livro de Robert Stein: "Incesto e Amor humano"