texto adaptado do livro de Verena Kast "Pais e filhas Mães e filhos"
O conceito de complexo é um dos conceitos centrais da psicologia de Jung. Está em relação direta com o desenvolvimento de uma pessoa – algo que o senso comum sugere.
Complexos são constelações especificas de lembranças, de experiências e fantasias condensadas, ordenadas em torno de um tema básico semelhante e carregadas com uma forte emoção da mesma qualidade. Quando alguma vivencia atual toca nesse tema ou nos afetos correspondentes, reagimos de maneira complexada, isto é, enxergamos e interpretamos a situação no sentido do complexo. Tornamo-nos emocionais e nos defendemos de modo estereotipado, ou seja, da mesma maneira como já fizemos antes.
Segundo Jung, os complexos têm um núcleo arquetípico, ou seja, eles se formam no ponto em que aborda algo indispensável à vida. São núcleos afetivos da personalidade do indivíduo, provocados por um embate doloroso ou significativo para ele, com uma demanda ou um acontecimento no meio ambiente, para o qual ele não está preparado.
Essa definição sugere que os complexos surgem da interação do bebe, da criança, com as pessoas de seu relacionamento. E a primeira infância é naturalmente uma situação marcante especialmente sensível para o surgimento dos complexos; contudo, eles podem surgir a qualquer momento enquanto vivemos. Enfim, nos complexos, estão retratadas as interações problemáticas e marcantes, como também, as histórias de relacionamento de nossa infância e de nossa vida posterior, juntamente, com as emoções correspondentes, com as formas de defesa dessas emoções e as expectativas daí provenientes como, por exemplo, o estilo de vida que se quer ter.
Assim quando, uma relação é difícil ou portadora de significado entre duas pessoas, em que emoções entram em jogo, um complexo é instalado. Todo evento semelhante é, então, interpretado de acordo com esse complexo, além de reforçá-lo. Nos complexos são reproduzidos episódios de nossa vida que se distinguem por uma emocionalidade especial.
Os pais, mães ou irmãos não são retratados nos complexos exatamente como eles eram; os complexos parecem ser, antes, uma complicada fusão de algo factualmente experienciado e algo fantasiado, de expectativas frustradas, etc. Contudo devemos constatar que, por meio de uma dissolução parcial dos complexos, mais recordações se libertam, tornando possível maior acesso a historias particulares da vida. Com isso o sentimento de vida se enriquece, ocupa-se melhor o complexo do eu, e se experimenta a auto-identidade também na continuidade. A história real é algo muito misterioso e impossível de ser realmente reconstruída.
Os complexos não nos marcam apenas, eles também são constelados, eles “entram em ação”. Por meio de uma experiência de relacionamento que lembra uma situação-complexo, por intermédio de um sonho ou de uma fantasia, o complexo se constela. Ou seja, nestes casos nós reagimos emocionalmente a situações atuais de modo impróprio, temos uma superreação. Reagimos não só à situação atual, mas sim a todas as situações de nossa vida que se assemelham de maneira tão fatal a essa situação. Também, pode-se dizer que em tais ocasiões sofremos de um distúrbio perceptivo porque percebemos de acordo com o complexo e ofuscamos o que não pertence ao episódio-complexo. Como conseqüência, temos uma estratégia estereotipada que, supostamente nos ajuda a lidar com a situação.
Os complexos são vistos como algo que inibe a pessoa e faz o individuo, nas situações que exigiriam dele uma resposta diferenciada, responder e reagir sempre da mesma maneira estereotipada; todavia, eles também contem germes de novas possibilidades de vida.
Do complexo do eu, Jung dizia que ele forma o “centro característico” de nossa psique, mas que é, apesar disso, apenas um complexo. “Os outros complexos associam-se mais ou menos ao complexo do eu e, desta maneira, tornam-se conscientes”. A tonalidade de sentimento do complexo do eu, o sentimento de si mesmo, Jung entende como expressão de todas as sensações corporais, mas também, como expressão de todos aqueles conteúdos de representação que atribuímos a nossa pessoa. As associações ligadas ao complexo do eu giram em torno do tema vital da identidade, do desenvolvimento da identidade e do sentimento de si mesmo, da autoconsciência que se vincula a isso. A base da nossa identidade é formada pelo sentimento de estar vivo; neste sentimento se enraíza a possibilidade de se impor como eu na vida, de fazer algo, enfim, de autorrealizar-se. No decorrer do desenvolvimento, a autodeterminação pertence cada vez mais à atividade do eu, em contraposição à determinação externa. O desligamento dos complexos não dependente apenas dos complexos e dos pais concretos, mas, de modo inteiramente decisivo, da atividade e vitalidade do eu.
O complexo do eu de uma pessoa deve desligar-se, de modo apropriado à idade, dos complexos materno e paterno, para que ela possa perceber suas tarefas de desenvolvimento e ter a sua disposição um complexo do eu coerente – um eu suficientemente forte – que lhe permita perceber as exigências da vida, lidar com dificuldades e conseguir certo grau de prazer e satisfação.
Na constelação de cada complexo materno ou paterno podem-se constituir diversos modos de comportamento que ajudam o filho a estabelecer com a mãe ou com os pais, ou na família como um todo, uma atmosfera suficientemente boa para preservá-la para si. Estes modos de comportamento conservam-se na vida futura. Caso nos tornemos conscientes deles, poderemos decidir se queremos ou não mante-los.
O desligamento do complexo é possível através da identificação e conscientização dos complexos e suas marcas. Esse desligamento é necessário para nos tornarmos pessoas mais independentes e mais capazes de estabelecer vínculos.
Há complexos com marcas positivas e negativas. Os complexos originalmente positivos são aqueles que tiveram uma influencia positiva sobre o sentimento de vida e, assim, sobre o desenvolvimento da identidade da pessoa e continuam a influenciar positivamente, caso ocorra um desligamento na idade apropriada.
O complexo materno originalmente positivo proporciona a uma criança o sentimento de um incontestável direito à existência, o sentimento de ser interessante e de ter parte em um mundo que oferece tudo de que alguém necessita – e um pouco mais. A partir disso, esse eu pode entrar em contato, de modo confiante, com um “outro”.
O corpo é a base do complexo do eu. Sobre a base de um complexo materno positivo, as necessidades corporais são vivenciadas como algo “normal” e também podem ser normalmente satisfeitas. Há uma alegria natural com o corpo, com a vitalidade, a comida, a sexualidade. O corpo pode expressar emoções e é capaz de aceitar e receber essas manifestações provenientes também de outras pessoas.
Esse complexo do eu assim consolidado pode romper seus limites na experiência corporal com outra pessoa, sem medo de nisso se perder. Também, é possível compartilhar intimidade psíquica, além da corporal. Desse modo, os outros são compreendidos de forma fundamental, assim como, geralmente se é compreendido. Os outros contribuem para nosso próprio bem estar psíquico, como podemos contribuir para o bem estar dos outros.
Uma pessoa que pode contar com o interesse e a compreensão do outro e experimenta certa plenitude de amor, cuidado e segurança desenvolverá uma saudável atividade do eu.
A idealização das figuras dos pais deve ser superada por volta dos vinte anos. Nessa fase, os complexos materno e paterno tornam-se na sua maioria conscientes. Cada marca de complexo permite determinados passos de desligamento e inibe outros. Vai depender da força de cada um, do impulso de autonomia que os jovens, a despeito das marcas dos complexos, possam apresentar.
O desligamento é um compromisso entre aquilo que uma pessoa deseja para si e para a própria vida e o que o meio ambiente (pai, mãe, professores, grupo social, etc) deseja para ela. Fases nítidas de desligamento, como a adolescência, estão relacionadas a uma disposição de ruptura, são fases de profunda mudança. O complexo do eu está se reestruturando, ou seja, há um sentimento instável de autoestima.
De modo geral, pode-se dizer que, na fase de desligamento, as pessoas que não são propriamente o pai ou a mãe, mas nas quais é possível projetar algo de paternal ou maternal, desempenham um papel significativo, assim como as imagens de divindades paternas e maternas e seus respectivos programas de vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário